“O diálogo sobre esses temas precisa evoluir para que os pacientes tenham o direito de viver e morrer com dignidade”
A recente morte do poeta
e filósofo Antônio Cícero, membro da Academia BrasileiraAlidaAlida de Letras
(ABL), realizada na Suíça, reacende debates importantes sobre a eutanásia, o
suicídio assistido e a dignidade na morte. Especialista esclarece as diferenças
entre cada uma, como o assunto é tratado no Brasil e qual o procedimento
permitido pelo Conselho Federal de Medicina.
Cícero é reconhecido por
suas contribuições à cultura e ao pensamento filosófico e se destacou tanto na
poesia quanto na filosofia com temas sobre o tempo, a morte e a existência. Foi
parceiro de grandes nomes da música brasileira e escreveu letras para canções
de sua irmã, Marina Lima e outros artistas. O intelectual sofria de uma
condição de saúde debilitante e incurável, o que o levou a optar pelo fim da
vida de forma digna, conforme permitido pela legislação suíça.
A Suíça é reconhecida
mundialmente por sua legislação liberal sobre o suicídio assistido e permite
que pacientes com doenças incuráveis, deficiências incapacitantes ou dores
incontroláveis tomem a decisão de encerrar sua vida de forma digna. De acordo
com a advogada Daniela Ito, especialista em Direito Médico e da
Saúde, sócia do escritório Fonseca, Moreti, Ito e Stefano Advogados, "a
Suíça não estabelece uma lista taxativa de condições para o suicídio assistido,
mas exige que o paciente esteja em plena capacidade cognitiva e
autodeterminação, além de garantir que o motivo seja altruísta".
A procura por este
serviço vai além das fronteiras suíças. Estima-se que cerca de 1,5% das mortes
anuais no país sejam decorrentes do suicídio assistido, atraindo também
estrangeiros que buscam encerrar suas vidas de maneira digna. “O processo
envolve um requerimento e a aprovação de dois médicos, sendo o paciente o
responsável por ministrar o medicamento, com base em prescrição médica”,
explica a advogada.
Países como Holanda,
Bélgica, Espanha, Luxemburgo e Canadá têm legislação que permite a eutanásia ou
o suicídio assistido, cada qual com regulamentações rigorosas. Nos Estados
Unidos, estados como Califórnia, Oregon, Montana, Washington e Vermont permitem
o suicídio assistido, enquanto a eutanásia continua proibida.
Ito ressalta que no
Brasil, tanto o suicídio assistido quanto a eutanásia são proibidos, sendo
considerados crimes no Código Penal. “O auxílio ao suicídio pode ser enquadrado
no artigo 122, com penas que variam de 2 a 6 anos de prisão, dependendo do
envolvimento na indução ou no auxílio ao ato. A eutanásia é tratada como
homicídio, mas pode haver atenuação de pena quando motivada por compaixão”.
Ortotanásia: uma
alternativa legal no Brasil
Embora a eutanásia e o
suicídio assistido sejam temas polêmicos e ainda criminalizados no Brasil,
existe uma alternativa legal que busca proporcionar dignidade aos pacientes
terminais, a ortotanásia.
Regulamentada pelo
Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 2006, pela Resolução 1.805, a
ortotanásia permite suspender tratamentos invasivos e ineficazes em pacientes
sem perspectivas de cura, tendo como foco o alívio do sofrimento através de
cuidados paliativos.
Diferente da eutanásia,
não visa encurtar a vida do paciente, mas sim evitar que ele passe por
tratamentos que prolonguem o sofrimento desnecessário. "A ortotanásia é
uma questão essencial a ser amplamente difundida na sociedade. Ela precisa ser
compreendida para que possa ser plenamente aplicada, garantindo que os
pacientes terminais tenham uma morte digna, sem tratamentos que apenas
prolongam o sofrimento".
Para a especialista, somente o indivíduo que vive uma condição insuportável pode decidir sobre o seu destino. “A liberdade de escolher como e quando morrer é particular de cada pessoa. Para que essas escolhas possam ser implementadas de forma justa e segura, é necessário um debate abrangente e uma legislação criteriosa, que evite abusos e preserve a dignidade humana. A ortotanásia, já legalizada, pode ser um primeiro passo nesse caminho, permitindo que pacientes terminais tenham mais controle sobre seus tratamentos e seu sofrimento. “O diálogo sobre esses temas precisa evoluir para que os pacientes tenham o direito de viver e morrer com dignidade”, finaliza Ito.
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