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quarta-feira, 24 de maio de 2017

Reforma da Previdência: ajuste ou retrocesso?



 A Reforma da Previdência é tema de debate acalorado por tocar em aspectos essenciais da vida da população, especialmente em momentos de vulnerabilidade, como a velhice, em caso da aposentadoria, e a morte de um ente familiar, em caso de pensão. É previsível que, devido à natureza do assunto, perca-se o foco da discussão: é necessária a Reforma da Previdência? Em caso positivo, como fazê-la?

O sistema previdenciário brasileiro é insustentável do modo como está configurado atualmente. Em 2016, houve um déficit de cerca de cento e cinquenta bilhões de reais no setor privado e cento e cinquenta e seis bilhões de reais no setor público. A diferença entre os dois sistemas é que, enquanto o primeiro pagou benefícios para pouco mais de vinte e nove milhões de pessoas, o segundo arcou com as despesas relativas a menos de quatro milhões de cidadãos. Os números negativos estão crescendo a cada ano, comprometendo, atualmente, por volta de quarenta por cento do orçamento federal com a previdência.

A situação descrita tende a piorar devido à questão demográfica. A análise da pirâmide etária brasileira demonstra a mudança de perfil da população: enquanto o topo apresenta adensamento contínuo, a base está cada vez mais delgada. Portanto, o número de idosos aumenta e o número de jovens diminui, materializando as tendências observadas nos últimos tempos de diminuição da taxa de natalidade e aumento da expectativa de vida, sendo este fenômeno produzido pelo avanço da medicina e melhores condições de vida da população. 

Diante de tal panorama, evidentemente a conta não fecha, pois há cada vez mais beneficiários e cada vez menos contribuintes do sistema previdenciário.

É importante notar que o princípio do solidarismo que rege nosso sistema, diferentemente do regime de capitalização que existe no Chile, por exemplo, demanda alguns sacrifícios da população, tendo em vista seu caráter intergeracional. Para que o sistema seja sustentável a médio e longo prazo, determinados ajustes devem ser feitos, buscando adequar nosso sistema à capacidade financeira do Brasil. Evidentemente, para essa amarga tarefa, algumas categorias perderão direitos diferenciados, que não são atribuídos às outras parcelas da sociedade e não apresentam fundamentos para sua manutenção. A noção de solidariedade da sociedade brasileira será posta à prova, preservando-se os setores mais vulneráveis, dentro das possibilidades do sistema.    

A necessidade de ajuste no sistema previdenciário é pressuposto para o equilíbrio das contas públicas. Despesas maiores que a arrecadação, como é o caso atualmente, provocam o crescimento da dívida e a diminuição de verbas disponíveis para investimento. Caso o governo opte pela emissão de moeda para pagamento da dívida, tal fato desencadearia uma espiral inflacionária que prejudicaria, sobretudo, as pessoas mais pobres, geralmente sem acesso aos instrumentos financeiros de proteção contra a inflação. Caso aprovada, a reforma poderia ensejar a queda na taxa de juros, estimulando o investimento e a consequente criação de empregos. 

A reforma atinge os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores públicos federais, não abrangendo os militares e, inicialmente, tampouco os servidores públicos municipais e estaduais. Os principais pontos são: como regra geral, a estipulação de idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, com necessidade de contribuição por 25 anos para ambos os sexos; regra de transição progressiva, com idade mínima inicial de 55 anos para homens e 53 anos para mulheres, observado o pedágio de 30% do tempo de contribuição faltante (a idade mínima inicial aumentará em um ano a cada biênio, a partir de 2020, até que seja atingida a idade mínima prevista como regra geral); o cálculo do benefício será feito com base em 70% da média das contribuições dos trabalhadores, observado o acréscimo anual de 1,5% a partir do 25º ano de contribuição, 2% a partir do 30º ano de contribuição e 2,5% a partir do 35º ano de contribuição até o 40º ano, totalizando 100%. São atingidos pelas mudanças, com base em regras específicas, os trabalhadores rurais, os beneficiários de pensão por morte, determinados tipos de professores, policiais e os recebedores de benefício de prestação continuada. Nota-se que a exclusão de determinadas categorias e a mudança da situação prevista para certas classes de pessoas mais vulneráveis diminuem a força do argumento de que toda a sociedade deve dar sua parcela de contribuição ao sacrifício produzido pelo necessário ajuste estrutural da previdência.   

A reforma da previdência apresentada à sociedade por meio da Proposta de Emenda Constitucional (P.E.C.) nº 287, de 2016, não é perfeita, mas é necessária. O senso comunitário, entretanto, deveria prevalecer, com o atingimento de todos os setores sociais, maior perda para as camadas mais abastadas e proteção aos mais vulneráveis. Esse é o pacto social de que necessita o Brasil de hoje e de amanhã.





Elton Duarte Batalha - advogado e professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie



29 anos de Constituição Federal e desigualdade social no Brasil



                 No dia 17 de maio, a Constituição Federal do Brasil completou 29 anos. Promulgada em 17 de maio de 1988, o normativo reúne um conjunto de leis que orientam os direitos e os deveres dos cidadãos e determina as responsabilidades sociais, individuais e coletivas da nação. Denominada como Constituição da República Federativa do Brasil, o conjunto de leis define o país como um Estado Democrático de Direito e empenha-se em garantir os direitos humanos e sociais dos indivíduos.

A dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais que regem o Estado e a convivência em sociedade. No Brasil, ela está estabelecida no artigo 1º da Constituição Federal como valor moral inerente ao ser humano, sendo o preceito máximo do Estado Democrático de Direito. Além da dignidade, o regimento federal também assegura a soberania, a cidadania, os valores sociais e a igualdade entre todos os cidadãos. De acordo com o artigo 5º da referida Constituição, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

                Entretanto, apesar de a norma estabelecer a igualdade e determinar a implementação de sistemas que garantam a dignidade da pessoa humana, infelizmente, não é o que verificamos ao longo desses 29 anos de Constituição. A desigualdade social afeta grande parte da sociedade brasileira, sendo o resultado da má distribuição dos recursos financeiros e da renda entre as pessoas. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil é o oitavo país com maior índice de desigualdade social e econômica do mundo, ficando atrás de países menores e menos ricos como Haiti, Madagascar, Camarões, Tailândia e África do Sul. 

                Pesquisadores da área atribuem essa elevada desigualdade a um contexto histórico, que atingiu uma crescente evolução do quadro no país. As consequências desse alto índice de desequilíbrio são o crescimento de comunidades e favelas, incluindo-se a pobreza, desnutrição, marginalização e o aumento da violência nos estados.

                Um levantamento divulgado em fevereiro deste ano pelo Banco Mundial mostra um aumento da pobreza no Brasil, sendo quase 20 milhões de pessoas de baixa renda no país, dentre elas, 9 milhões em situação de extrema pobreza. O efeito de todos esses fatores acarreta a violação do princípio primordial da Constituição Federal: a dignidade da pessoa humana - num ciclo ininterrupto de infrações contra a Carta Magna.

Em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) apresentou um relatório com as principais causas da desigualdade social, entre as quais estão a falta de acesso à educação de qualidade, baixos salários e a dificuldade de acesso a serviços indispensáveis como saúde, transporte público e saneamento básico.  

Neste sentido, podemos concluir que muito além do estabelecido na Constituição Federal do Brasil, é preciso que sejam debatidas e implementadas políticas públicas que amenizem a situação de desigualdade e pobreza vivenciada em nosso país. Caso contrário, nossa Carta Constitucional permanecerá como um regimento jurídico fracionado aos interesses do sistema.

Que esses 29 anos de Constituição Federal nos façam refletir sobre a condição social do Brasil na atualidade, e que possamos promover possibilidades de melhoria para garantir, na prática, a dignidade e a igualdade entre os cidadãos, num verdadeiro Estado Democrático de Direito.




Renato Savy - advogado e sócio do escritório Ferraz Sampaio e Dutra. 




O direito a mentir e a felicidade



Todo mundo mente. Algumas pessoas chegam a achar que a mentira é necessária e sustenta grande parte do convívio social. Normalmente apenas se diria que a mentira é má ou errada, mas o problema é que ela existe em situações ambíguas; onde há benefícios e malefícios, seja para o indivíduo mentiroso ou para o grupo enganado. A felicidade pode advir de uma mentira. Nada é preto no branco e é ai que entra a discussão ética, pois todos também querem ser felizes.

Não é esse o fim último da humanidade, buscar a felicidade? Isso levanta dúvidas difíceis de responder como: mentir é certo ou errado? Quando nos voltamos aos líderes, sejam eles de governos, de empresas, de grupos sociais, ela toma proporções ainda mais complexas, podendo constituir crime ou mesmo sustentar as crenças de muitos.

Em alguns casos específicos a mentira pode até mesmo ser aceita pela perspectiva ética. Obviamente quando existir com a finalidade de manter a dignidade, não ferindo a lei ou visando proteger a vida, por exemplo. Se uma pessoa chega à minha casa, fugindo de um criminoso que quer lhe fazer mal e eu a escondo, quando questionado pelo criminoso se ela estaria lá, especificamente nesse caso eu mentiria. A maioria das pessoas mentiriam. 

Não é que haja mentiras boas ou mentiras más, exatamente. Existem consequências da mentira, e elas são boas ou más para um determinado número de pessoas e valores. Nesse caso, o valor é a vida, como valor máximo, e a consequência é o bem estar e a dignidade da pessoa escondida, aquilo que realmente se espera da vida. Percebe-se que em casos específicos, em prol da dignidade, a mentira é necessária. 

Quando jogamos a mentira para a análise do olhar ético, ela assume essa dualidade. Se ela tem como fim último apenas vantagens pessoais ou imediatas e ainda fere a lei, ai sim, podemos julgá-la como antiética, potencialmente ilegal e consequentemente uma ação negativa, ou propriamente ruim. 

A mentira nesses termos pode levar a muitas consequências negativas para a sociedade, já que geralmente ela não envolve apenas uma ou duas pessoas. Ela é uma das posturas antiéticas mais comuns. Ela vem do desejo de ter vantagem sobre o outro – a tal da ética menos nobre ou que pensa apenas em si mesmo ou no menor grupo de pessoas. 

Vivemos em uma sociedade onde a mentira se torna cada vez mais inaceitável, considerando, sobretudo, líderes que são responsáveis por guiar o povo ao engano. Isso se aplica muito a condição atual da política e sociedade brasileira, que enfrenta escândalo após escândalo, investigação após investigação. Além de ilegal, a mentira do líder tem consequências catastróficas se tornada impune. Uma sociedade em que não se pode confiar está fadada ao colapso e isso começa por quem comanda. 

Tome se como exemplo o caso da promessa: se todos mentissem a promessa perderia seu valor que, por sua vez, é o que proporciona confiança entre as partes. É o que entendemos como o bom e velho acordo entre as condutas. Você já parou para pensar se todas as pessoas ao mesmo tempo não confiassem mais nos bancos e retirassem simultaneamente os valores depositados em contas? Resultado: todos os bancos quebrariam em questão de horas. 

Já na antiguidade, os filósofos gregos tinham como princípio que o ser humano era constituído de vícios e virtudes. Os vícios já nasciam com eles, enquanto que as virtudes eram ensinadas. Como seres viciosos, o erro, a mentira, a conduta inapropriada era algo natural, nos fazendo assim seres humanos incompletos; humanos para uma humanidade a se desenvolver.

Era através do esclarecimento que se aprendia e cultivava a virtude – extirpando os vícios quando identificados. Era através da virtude que se preservava a dignidade, pessoal e do próximo. Para Kant, filósofo da era moderna, isso era resultado de estarmos, como humanos, em uma menoridade moral. A maioridade viria com a prática ética. A saída de um estado para outro se dava exatamente no sentido de esclarecimento, verdadeira passagem para a maioridade.

Enquanto humanos nossas condutas geralmente se baseiam em dois princípios fundamentais de motivação para a conduta: ou agimos por empatia ou por respeito ao mero princípio ético. Quando agimos por empatia geralmente algum tipo de amor está envolvido e o fazemos por inclinação ao bem estar do próximo. Quando fazemos por ética pura, o que está enredado é o pensamento racional por onde é possível aplicar a moral pelo respeito ao princípio, mesmo que não se ame os envolvidos.

É a moral quem verdadeiramente sustenta a sociedade. A guia da conduta, mesmo quando se faz necessária a mentira, é a moral interiorizada. A barbárie se esgueira quando a ética falha ao não ser convidada ao protagonismo. É dever de todos meditarem sobre suas mentiras, sobretudo, os líderes que carregam vidas de muitos em sua responsabilidade. Para eles é de suma importância interiorizar a boa conduta, e do povo não tornar aceitável que se minta impunemente. A sociedade depende do peso e análise da ética, ou o futuro será a ruína.






Samuel Sabino - fundador da Éticas Consultoria, Filósofo, Mestre em Bioética, e professor na Escola de Gestão da Anhembi Morumbi.





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