A Reforma da
Previdência é tema de debate acalorado por tocar em aspectos essenciais da vida
da população, especialmente em momentos de vulnerabilidade, como a velhice, em
caso da aposentadoria, e a morte de um ente familiar, em caso de pensão. É
previsível que, devido à natureza do assunto, perca-se o foco da discussão: é
necessária a Reforma da Previdência? Em caso positivo, como fazê-la?
O sistema
previdenciário brasileiro é insustentável do modo como está configurado
atualmente. Em 2016, houve um déficit de cerca de cento e cinquenta bilhões de
reais no setor privado e cento e cinquenta e seis bilhões de reais no setor
público. A diferença entre os dois sistemas é que, enquanto o primeiro pagou
benefícios para pouco mais de vinte e nove milhões de pessoas, o segundo arcou
com as despesas relativas a menos de quatro milhões de cidadãos. Os números
negativos estão crescendo a cada ano, comprometendo, atualmente, por volta de
quarenta por cento do orçamento federal com a previdência.
A situação
descrita tende a piorar devido à questão demográfica. A análise da pirâmide
etária brasileira demonstra a mudança de perfil da população: enquanto o topo
apresenta adensamento contínuo, a base está cada vez mais delgada. Portanto, o
número de idosos aumenta e o número de jovens diminui, materializando as
tendências observadas nos últimos tempos de diminuição da taxa de natalidade e
aumento da expectativa de vida, sendo este fenômeno produzido pelo avanço da
medicina e melhores condições de vida da população.
Diante de tal panorama,
evidentemente a conta não fecha, pois há cada vez mais beneficiários e cada vez
menos contribuintes do sistema previdenciário.
É importante notar
que o princípio do solidarismo que rege nosso sistema, diferentemente do regime
de capitalização que existe no Chile, por exemplo, demanda alguns sacrifícios
da população, tendo em vista seu caráter intergeracional. Para que o sistema
seja sustentável a médio e longo prazo, determinados ajustes devem ser feitos,
buscando adequar nosso sistema à capacidade financeira do Brasil.
Evidentemente, para essa amarga tarefa, algumas categorias perderão direitos
diferenciados, que não são atribuídos às outras parcelas da sociedade e não
apresentam fundamentos para sua manutenção. A noção de solidariedade da
sociedade brasileira será posta à prova, preservando-se os setores mais
vulneráveis, dentro das possibilidades do sistema.
A necessidade de
ajuste no sistema previdenciário é pressuposto para o equilíbrio das contas
públicas. Despesas maiores que a arrecadação, como é o caso atualmente,
provocam o crescimento da dívida e a diminuição de verbas disponíveis para
investimento. Caso o governo opte pela emissão de moeda para pagamento da
dívida, tal fato desencadearia uma espiral inflacionária que prejudicaria,
sobretudo, as pessoas mais pobres, geralmente sem acesso aos instrumentos
financeiros de proteção contra a inflação. Caso aprovada, a reforma poderia
ensejar a queda na taxa de juros, estimulando o investimento e a consequente
criação de empregos.
A reforma atinge
os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores públicos federais, não
abrangendo os militares e, inicialmente, tampouco os servidores públicos
municipais e estaduais. Os principais pontos são: como regra geral, a
estipulação de idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, com
necessidade de contribuição por 25 anos para ambos os sexos; regra de transição
progressiva, com idade mínima inicial de 55 anos para homens e 53 anos para
mulheres, observado o pedágio de 30% do tempo de contribuição faltante (a idade
mínima inicial aumentará em um ano a cada biênio, a partir de 2020, até que
seja atingida a idade mínima prevista como regra geral); o cálculo do benefício
será feito com base em 70% da média das contribuições dos trabalhadores,
observado o acréscimo anual de 1,5% a partir do 25º ano de contribuição, 2% a
partir do 30º ano de contribuição e 2,5% a partir do 35º ano de contribuição
até o 40º ano, totalizando 100%. São atingidos pelas mudanças, com base em
regras específicas, os trabalhadores rurais, os beneficiários de pensão por
morte, determinados tipos de professores, policiais e os recebedores de
benefício de prestação continuada. Nota-se que a exclusão de determinadas
categorias e a mudança da situação prevista para certas classes de pessoas mais
vulneráveis diminuem a força do argumento de que toda a sociedade deve dar sua
parcela de contribuição ao sacrifício produzido pelo necessário ajuste
estrutural da previdência.
A reforma da
previdência apresentada à sociedade por meio da Proposta de Emenda
Constitucional (P.E.C.) nº 287, de 2016, não é perfeita, mas é necessária. O
senso comunitário, entretanto, deveria prevalecer, com o atingimento de todos
os setores sociais, maior perda para as camadas mais abastadas e proteção aos
mais vulneráveis. Esse é o pacto social de que necessita o Brasil de hoje e de
amanhã.
Elton Duarte
Batalha - advogado e professor de Direito na Universidade Presbiteriana
Mackenzie