Todo mundo mente. Algumas
pessoas chegam a achar que a mentira é necessária e sustenta grande parte do
convívio social. Normalmente apenas se diria que a mentira é má ou errada, mas
o problema é que ela existe em situações ambíguas; onde há benefícios e
malefícios, seja para o indivíduo mentiroso ou para o grupo enganado. A
felicidade pode advir de uma mentira. Nada é preto no branco e é ai que entra a
discussão ética, pois todos também querem ser felizes.
Não é esse o fim último da
humanidade, buscar a felicidade? Isso levanta dúvidas difíceis de responder
como: mentir é certo ou errado? Quando nos voltamos aos líderes, sejam eles de
governos, de empresas, de grupos sociais, ela toma proporções ainda mais
complexas, podendo constituir crime ou mesmo sustentar as crenças de muitos.
Em alguns casos específicos
a mentira pode até mesmo ser aceita pela perspectiva ética. Obviamente quando
existir com a finalidade de manter a dignidade, não ferindo a lei ou visando
proteger a vida, por exemplo. Se uma pessoa chega à minha casa, fugindo de um
criminoso que quer lhe fazer mal e eu a escondo, quando questionado pelo
criminoso se ela estaria lá, especificamente nesse caso eu mentiria. A maioria
das pessoas mentiriam.
Não é que haja mentiras boas
ou mentiras más, exatamente. Existem consequências da mentira, e elas são boas
ou más para um determinado número de pessoas e valores. Nesse caso, o valor é a
vida, como valor máximo, e a consequência é o bem estar e a dignidade da pessoa
escondida, aquilo que realmente se espera da vida. Percebe-se que em casos
específicos, em prol da dignidade, a mentira é necessária.
Quando jogamos a mentira
para a análise do olhar ético, ela assume essa dualidade. Se ela tem como fim
último apenas vantagens pessoais ou imediatas e ainda fere a lei, ai sim,
podemos julgá-la como antiética, potencialmente ilegal e consequentemente uma
ação negativa, ou propriamente ruim.
A mentira nesses termos pode
levar a muitas consequências negativas para a sociedade, já que geralmente ela
não envolve apenas uma ou duas pessoas. Ela é uma das posturas antiéticas mais
comuns. Ela vem do desejo de ter vantagem sobre o outro – a tal da ética menos
nobre ou que pensa apenas em si mesmo ou no menor grupo de pessoas.
Vivemos em uma sociedade
onde a mentira se torna cada vez mais inaceitável, considerando, sobretudo,
líderes que são responsáveis por guiar o povo ao engano. Isso se aplica muito a
condição atual da política e sociedade brasileira, que enfrenta escândalo após
escândalo, investigação após investigação. Além de ilegal, a mentira do líder
tem consequências catastróficas se tornada impune. Uma sociedade em que não se
pode confiar está fadada ao colapso e isso começa por quem comanda.
Tome se como exemplo o caso
da promessa: se todos mentissem a promessa perderia seu valor que, por sua vez,
é o que proporciona confiança entre as partes. É o que entendemos como o bom e
velho acordo entre as condutas. Você já parou para pensar se todas as pessoas
ao mesmo tempo não confiassem mais nos bancos e retirassem simultaneamente os
valores depositados em contas? Resultado: todos os bancos quebrariam em questão
de horas.
Já na antiguidade, os filósofos gregos tinham como princípio que o ser
humano era constituído de vícios e virtudes. Os vícios já nasciam com eles,
enquanto que as virtudes eram ensinadas. Como seres viciosos, o erro, a
mentira, a conduta inapropriada era algo natural, nos fazendo assim seres
humanos incompletos; humanos para uma humanidade a se desenvolver.
Era através do esclarecimento que se aprendia e cultivava a virtude –
extirpando os vícios quando identificados. Era através da virtude que se
preservava a dignidade, pessoal e do próximo. Para Kant, filósofo da era
moderna, isso era resultado de estarmos, como humanos, em uma menoridade moral.
A maioridade viria com a prática ética. A saída de um estado para outro se dava
exatamente no sentido de esclarecimento, verdadeira passagem para a maioridade.
Enquanto humanos nossas condutas geralmente se baseiam em dois
princípios fundamentais de motivação para a conduta: ou agimos por empatia ou
por respeito ao mero princípio ético. Quando agimos por empatia geralmente algum
tipo de amor está envolvido e o fazemos por inclinação ao bem estar do próximo.
Quando fazemos por ética pura, o que está enredado é o pensamento racional por
onde é possível aplicar a moral pelo respeito ao princípio, mesmo que não se
ame os envolvidos.
É a moral quem verdadeiramente sustenta a sociedade. A guia da conduta,
mesmo quando se faz necessária a mentira, é a moral interiorizada. A barbárie
se esgueira quando a ética falha ao não ser convidada ao protagonismo. É dever
de todos meditarem sobre suas mentiras, sobretudo, os líderes que carregam
vidas de muitos em sua responsabilidade. Para eles é de suma importância
interiorizar a boa conduta, e do povo não tornar aceitável que se minta
impunemente. A sociedade depende do peso e análise da ética, ou o futuro será a
ruína.
Samuel
Sabino - fundador da Éticas Consultoria, Filósofo, Mestre
em Bioética, e professor na Escola de Gestão da Anhembi Morumbi.
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