Receber a negativa do plano de saúde para o fornecimento de uma bomba de insulina, ou de um sistema de infusão contínua de insulina, costuma ser um dos momentos mais delicados para quem convive com diabetes tipo 1 e para seus familiares. À frustração inicial somam-se a preocupação com os altos custos dessas tecnologias e o receio de prejuízos no controle da doença e na qualidade de vida. O que poucos sabem é que essa recusa, longe de encerrar o debate, frequentemente representa o primeiro passo para assegurar o tratamento por meio da Justiça.
Do ponto de vista jurídico, a negativa formal do plano de saúde, ou do próprio SUS, é elemento essencial para o ajuizamento da ação. Ela comprova o descumprimento de uma obrigação contratual e legal, permitindo que o Judiciário examine o caso de forma objetiva. Sem esse documento, inclusive, muitos juízes sequer analisam o pedido. Por isso, diante de qualquer recusa, é fundamental exigir que ela seja apresentada por escrito e com justificativa detalhada, pois esse registro será a base do processo que busca o fornecimento da bomba de insulina.
Entre os argumentos mais utilizados pelas operadoras está o de que a bomba de insulina seria excluída da cobertura por se tratar de medicamento de uso domiciliar. Essa tese, contudo, vem sendo reiteradamente rejeitada pelos tribunais, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça. A jurisprudência consolidou o entendimento de que a bomba de insulina não é medicamento nem órtese, mas um produto para a saúde. Essa distinção é decisiva, pois afasta cláusulas restritivas invocadas pelas operadoras e direciona a análise para o que realmente importa: a necessidade clínica do paciente e o fato de o equipamento possuir registro na Anvisa. O próprio STJ já reconheceu que o uso do sistema de infusão contínua de insulina beneficia não apenas o paciente, mas também a operadora, ao reduzir complicações graves e custos futuros decorrentes do mau controle da doença.
Outro argumento recorrente é a ausência da bomba de insulina no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Essa justificativa perdeu ainda mais força após a entrada em vigor da Lei nº 14.454/2022, que deixou expresso o caráter exemplificativo — e não taxativo — do rol. Na prática, ele funciona como um parâmetro mínimo de cobertura, não como um limite absoluto. A Justiça tem entendido que, havendo prescrição médica fundamentada, doença coberta pelo contrato e produto aprovado pela Anvisa, a cobertura é obrigatória. Negativas baseadas exclusivamente no rol costumam ser consideradas abusivas.
Muitos pacientes deixam de buscar seus direitos por acreditarem que um processo judicial demoraria demais. Nas ações envolvendo saúde, porém, a realidade costuma ser outra. Com a documentação adequada, é possível requerer tutela de urgência, a chamada liminar. Em processos contra planos de saúde privados, não é incomum que decisões desse tipo sejam concedidas em poucos dias, determinando o fornecimento imediato da bomba de insulina. Mesmo nas demandas contra o SUS, há situações em que o equipamento é disponibilizado em prazos relativamente curtos.
É importante, ainda, observar o tipo de plano contratado. Os planos de autogestão não se submetem ao Código de Defesa do Consumidor, conforme a Súmula 608 do STJ, o que exige análise mais cuidadosa do contrato e a adoção de estratégias jurídicas específicas para cada caso.
A relevância do tema é tamanha que o Superior Tribunal de Justiça decidiu afetar a matéria ao Tema Repetitivo nº 1.316, cujo julgamento resultará em tese vinculante para todo o país. O posicionamento trará maior segurança jurídica sobre a obrigação de fornecimento de bombas de insulina e tecnologias semelhantes, com impacto direto na vida de milhares de pacientes.
Diante desse cenário, a negativa do plano de saúde não deve ser
encarada como o fim do caminho. Na maioria das vezes, ela marca o início de uma
estratégia jurídica eficaz. O Judiciário brasileiro tem reconhecido, de forma
consistente, o direito dos pacientes ao acesso a tecnologias essenciais para o
tratamento do diabetes, priorizando a prescrição médica e a dignidade da pessoa
humana. Buscar orientação jurídica especializada é o passo mais seguro para
transformar uma recusa injusta em uma decisão favorável e, sobretudo, em mais
saúde e qualidade de vida.
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