Especialistas explicam como o novo marco legal pode gerar mudanças na condução e na responsabilização dos processos, e os riscos e benefícios envolvidos
Propostas que alteram
legislações que tratam das questões ambientais tramitam no Congresso há mais de
20 anos sem que tenham saído do papel, mas isso ganhou novo rumo alguns dias
atrás, quando o Senado aprovou a Lei Geral do Licenciamento
Ambiental (LGLA), que propõe mudanças na
condução e na responsabilização dos processos de licenciamento, especialmente
para empreendimentos de menor impacto. O texto agora está na Câmara dos
Deputados para, então, se aprovado, ir à sanção presidencial.
Em resumo, a LGLA propõe
modernizar e simplificar a burocracia ambiental com a expectativa de
impulsionar o desenvolvimento econômico. O tema, no entanto, enfrenta forte
oposição de ambientalistas e setores do governo, que alertam para os riscos de
comprometer a proteção ambiental.
Alessandro Azzoni, especialista
em direito ambiental empresarial, explica que esse debate é permeado por
tensões entre o desenvolvimento econômico e a proteção do meio ambiente. E
lembra que a Constituição Federal, em seu artigo 225, consagra o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental,
conferindo-lhe proteção constitucional e permitindo a atuação do Supremo
Tribunal Federal (STF) em questões que ameacem esse direito.
Um dos pilares dessa proteção,
segundo o especialista, é o princípio de não retrocesso ambiental, que
estabelece que as conquistas e proteções ambientais já alcançadas não podem ser
suprimidas ou flexibilizadas – somente aprimoradas.
Para garantir segurança
jurídica, Azzoni diz ser fundamental manter a exigência de estudos prévios de
impacto ambiental (EIA), análise técnica para atividades de médio e alto
potencial poluidor. A Licença por Adesão e Compromisso (LAC), por exemplo,
deveria ser restrita a empreendimentos de baixo impacto, conforme já
reconhecido pelo STF.
Outra sugestão de Azzoni é que
a legislação deve reforçar a coordenação entre União, Estados e Municípios e a
definição das atividades sujeitas ao licenciamento deve ocorrer em âmbito
colegiado, como pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a fim de
evitar conflitos de interesses e concorrência antiambiental entre os entes
federativos.
Além disso, ele defende que
transparência e participação social efetiva no processo de licenciamento são
inegociáveis. Assim como mecanismos de controle pela sociedade e audiências
públicas deveriam ser preservados para garantir a legitimidade do processo.
Ao comentar a legislação
brasileira que opera sob um regime de competência concorrente entre União e
Estados, em que ambos têm autonomia para criar leis protetivas, ele alerta que
muitos Estados possuem legislações mais rígidas que a federal. Nesse contexto,
diz, uma nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental não pode revogar as leis
estaduais mais protetivas.
Retrocesso - Para Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do
Clima, a LGLA é um retrocesso. Ele argumenta que retirar a burocracia é
importante, mas eliminar toda a legislação fragiliza o processo e gera mais
custos para o Estado, pois muitas situações passam a ser responsabilidade do
governo e não mais do empreendedor.
Segundo ele, ao abrir caminho
para o autolicenciamento, delegando ao empreendedor a responsabilidade pela
obtenção das licenças, sem análise prévia dos órgãos ambientais, pode-se
ampliar a insegurança jurídica, já que essa flexibilização pode levar a
mais judicialização e incerteza para os próprios empreendedores.
Além disso, diz, esse processo
ignora impactos indiretos, o que aumenta os riscos de desastres. Astrini
relaciona a "desmontagem da legislação ambiental no Congresso",
incluindo a flexibilização do licenciamento, com a ocorrência de tragédias como
as inundações no Rio Grande do Sul. E o custo desses desastres, diz, acaba
transferido para o poder público e, consequentemente, para o cidadão.
Um dos mecanismos citados como
problemático pelo especialista é o Licenciamento Ambiental por Adesão e
Compromisso (LAC). Nesse modelo, o empreendedor se compromete a respeitar os impactos
ambientais diretos e indiretos de seu projeto. Ele cita o caso da barragem de
Brumadinho como um exemplo alarmante das falhas do LAC. Em situações como essa,
o estudo de impacto ambiental é substituído por um formulário on-line. Nele, o
proponente assume os riscos "de boa-fé", e a licença é concedida de
forma autodeclaratória, sem uma análise aprofundada dos potenciais danos.
Para Astrini, empreendimentos
de baixo impacto e pequeno porte podem se beneficiar de um processo de
licenciamento mais ágil e simplificado, o que ajuda a reduzir filas e
burocracia. No entanto, para que isso funcione, é crucial estabelecer critérios
claros e rigorosos para a classificação desses empreendimentos, além de
aprender com erros do passado.
Ele diz ser fundamental implementar
um sistema de fiscalização com possíveis multas e, ao mesmo tempo, criar
incentivos fiscais para aqueles que cumprirem as normas ambientais de forma
exemplar. Além disso, afirma, é importante realizar estudos aprofundados sobre
problemas específicos e promover modificações legislativas graduais, sempre
pautadas em análises técnicas sólidas.
Riscos e
oportunidades - O ecólogo Renato Paquet
explica que o licenciamento ambiental é uma medida obrigatória nas empresas que
lidam com recursos naturais, como as de tratamento de efluentes, afluentes e
água de reuso. Esse documento serve para garantir conformidade legal e
sustentabilidade nos processos e, portanto, sua reformulação pode afetar a governança
ambiental no país, assim como trazer riscos de retrocessos e também as
oportunidades de avanço com o uso de tecnologias que tornam os processos mais
eficientes, auditáveis e sustentáveis.
Segundo Paquet, o texto
aprovado dispensa de licenciamento atividades que não ofereçam risco ambiental
ou que precisam ser executadas por questão de soberania nacional ou de
calamidade pública. Também isenta de licenciamento os empreendimentos
agropecuários para cultivo de espécies de interesse agrícola, além de pecuária
extensiva, semi-intensiva e intensiva de pequeno porte.
Defensor de uma reformulação no
licenciamento ambiental, o ecólogo considera o modelo atual burocrático, caro e
exagerado — na prática, segundo ele, isso acaba por empurrar muitos
empreendimentos para a ilegalidade. A solução está em equilibrar a responsabilidade
entre os entes públicos e os empreendedores, com mais uso de tecnologia e
transparência.
"Mas sou contra esse PL da
maneira como foi aprovado. As mudanças precisam acontecer por fases e com
critérios claros. Caso contrário, corremos o risco de trocar um sistema
ineficiente por um modelo permissivo que fragiliza a proteção ambiental",
disse.
COP 30 e a
imagem do Brasil
Outro ponto de preocupação, na
opinião de Azzoni, se dá pelo fato de a aprovação da nova Lei Geral do
Licenciamento Ambiental acontecer às vésperas da COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas). Pois,
como anfitrião, o Brasil tem a oportunidade histórica de reafirmar sua
liderança em negociações sobre mudanças climáticas e sustentabilidade global,
demonstrando esforços em preservação ambiental, energias renováveis e
agricultura de baixo carbono.
Em contrapartida, a
flexibilização do licenciamento ambiental, especialmente com a ampliação da
Licença por Adesão e Compromisso e a dispensa de licenciamento para atividades
agropecuárias, tem gerado críticas severas de cientistas e ambientalistas. E,
segundo Azzoni, muitas dessas medidas são vistas como retrocessos que podem
aumentar o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa.
“A contradição entre sediar uma
conferência global sobre clima e adotar políticas que enfraquecem o controle
ambiental pode prejudicar a credibilidade do Brasil no cenário internacional,
gerando desconfiança sobre o compromisso real do país com as metas climáticas e
a proteção da floresta amazônica”, disse.
Mariana Missiaggia
https://www.dcomercio.com.br/publicacao/s/entenda-os-pontos-criticos-da-lei-geral-do-licenciamento-ambiental
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