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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Estudo do ICB-USP revela que hipertensão arterial afeta sêmen desde a juventude

Descobertas revelam danos permanentes no sêmen, com limitações nos tratamentos farmacológicos atuais.


Uma pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP) revelou que a hipertensão arterial pode causar alterações precoces e persistentes na qualidade do sêmen, incluindo danos ao acrossoma – estrutura crucial para a penetração do espermatozoide no óvulo –, além de comprometer a microcirculação testicular ao longo da vida. Coordenado pelo professor Stephen Rodrigues, do Departamento de Farmacologia, o trabalho mostrou que essas alterações ocorrem já na juventude e não são completamente revertidas por medicamentos anti-hipertensivos, apontando desafios para a preservação da saúde reprodutiva masculina. O estudo foi publicado em novembro na Scientific Reports, do grupo Nature, e teve como primeira autora a pesquisadora Nicolle Machado. Tanto o projeto quanto Machado tiveram apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
 

Resultados de 2019: um ponto de partida

O trabalho deu continuidade a uma pesquisa anterior, de 2019, conduzida pelo pesquisador Lucas Colli, sob orientação da Profa. Maria Helena Catelli de Carvalho, hoje já aposentada. Nesse estudo, foram analisados ratos hipertensos do modelo SHR (Spontaneously Hypertensive Rats), cuja hipertensão é espontânea e similar à condição primária que ocorre em cerca de 90% dos casos em humanos. Na ocasião, o grupo identificou que esses animais apresentavam alterações significativas na qualidade do sêmen, como redução na concentração e motilidade dos espermatozoides, além de mudanças no movimento, que, em vez de retilíneo, tornou-se curvilíneo ou ausente. 

Esses efeitos foram associados a problemas na microcirculação testicular, incluindo a interrupção frequente do fluxo sanguíneo, que nos ratos normotensos ocorre cerca de seis vezes por minuto, mas nos ratos hipertensos aumenta para oito vezes por minuto. Essa irregularidade no fluxo prejudica a oxigenação e o aporte de nutrientes ao tecido testicular, afetando diretamente a produção de espermatozoides.
 

Novos avanços: impacto da idade e eficácia de tratamentos

No estudo mais recente, os pesquisadores ampliaram a análise para investigar os efeitos da hipertensão arterial em diferentes faixas etárias, desde animais jovens (8 a 10 semanas, equivalente a cerca de 18 anos humanos) até ratos mais velhos (60 a 66 semanas, equivalente a 45 a 50 anos humanos). A descoberta mais marcante foi que as alterações na qualidade do sêmen, como menor concentração e danos no acrossoma – estrutura essencial para a penetração do espermatozoide no óvulo –, ocorrem precocemente e persistem ao longo de toda a vida reprodutiva. 

"Esses resultados mostram que a hipertensão arterial tem um impacto reprodutivo que começa muito cedo e persiste durante toda a fase adulta. Mesmo períodos relativamente curtos de exposição a níveis elevados de pressão arterial já são suficientes para causar danos irreversíveis", explica o professor Stephen Rodrigues. 

Além disso, os pesquisadores testaram a eficácia de diferentes medicamentos anti-hipertensivos, revelando que nem todos são igualmente eficazes para restaurar a saúde reprodutiva. A losartana, amplamente utilizada na clínica, reduziu os níveis de pressão arterial, mas não foi capaz de reverter as alterações nos espermatozoides. Por outro lado, a prazosina, um antagonista do receptor alfa-adrenérgico, não apenas reduziu a pressão arterial como também corrigiu parte dos danos observados no sêmen. "Esse achado sugere que apenas reduzir a pressão arterial não é suficiente para proteger a saúde reprodutiva. A combinação de agentes que reduzem a mortalidade com outros que preservem a função reprodutiva pode ser um caminho promissor", aponta Rodrigues.
 

Colaborações e novos horizontes

O estudo contou com a colaboração de renomados pesquisadores, como o professor Ricardo Bettola, professor da Wayne State University School of Medicine, além do autor do estudo anterior, Lucas Colli, que participou ativamente no desenvolvimento do novo projeto. 

Para o futuro, o grupo planeja investigar o impacto da hipertensão arterial e de agentes anti-hipertensivos no epidídimo, estrutura responsável por armazenar os espermatozoides antes da ejaculação. Outro foco será avaliar o papel da atividade física na melhora da qualidade do sêmen e na microcirculação testicular. "Queremos entender se intervenções não farmacológicas, como o exercício, podem oferecer benefícios similares aos medicamentos, promovendo melhorias na saúde reprodutiva de forma natural", explica Rodrigues.
 

Relevância e impacto

O trabalho reafirma a importância de investigar os efeitos sistêmicos da hipertensão arterial, uma condição que afeta milhões de pessoas no Brasil e no mundo. “Um dado alarmante é que, nos últimos 50 anos, tem se observado uma redução de cerca de 50% de espermatozoides presentes no sêmen, em indivíduos hipertensos ou não. Ainda não se sabe ao certo as causas desse fenômeno, ou se ele vai começar a comprometer a reprodução no futuro. Por isso, todo estudo é bem-vindo, seja para reverter ou impedir que essa redução aumente.”
 

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