Recentemente, o Ministério da Educação (MEC)
publicou uma portaria que suspende o cronograma de implementação do Novo Ensino
Médio por 60 dias, iniciando uma consulta pública para avaliar e reestruturar a
política nacional. Porém, ao contrário do que vem sendo veiculado, isso não
demonstra sinais de retrocesso, e sim abertura de uma discussão mais ampla e
assertiva sobre o tema.
A suspensão ocorreu devido à pressão exercida por
entidades, docentes e estudantes que enfrentam, atualmente, desafios na
implementação do projeto original. Esses grupos exigem uma discussão mais
aprofundada, considerando que o projeto já está em curso e as dificuldades
tornaram-se evidentes, sobretudo em instituições com menor disponibilidade de
recursos.
É fundamental realizar uma reavaliação para
compreender as condições práticas de implementação do projeto, buscando
adaptá-lo a diferentes cenários e garantindo sua eficácia. A proposta do
período de 60 dias visa abrir uma consulta pública para compreender as
adaptações requeridas ao projeto original. Por isso, o diálogo com as partes
interessadas da sociedade é crucial, pois vai permitir identificar os aspectos
positivos e negativos presentes no processo de implementação.
Entendo que o retrocesso seria ignorar que a
disponibilidade de recursos impacta diretamente a capacidade das escolas em
implementar o projeto e que sua execução ocorre de maneira arbitrária em cada
instituição, sem consenso e coesão entre elas. A educação é um projeto nacional
e mudanças em grande escala devem aprimorar as condições educacionais para
todas e todos. Infelizmente, essa não é a realidade que estamos vivendo na
implementação do Novo Ensino Médio.
Além disso, é fundamental analisar como ocorrerá a
adaptação do novo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), inicialmente previsto
para 2024, mas que, devido a essa pausa de 60 dias, provavelmente terá sua
implementação postergada. Afinal, até o momento, poucas informações foram
divulgadas sobre a nova prova. Considerando que o ENEM é o principal meio para
os alunos ingressarem no ensino superior, a preparação teórica adequada é
imprescindível para o sucesso no exame.
Minha preocupação reside na redução da carga
horária de conteúdos obrigatórios e na ausência de uma matriz específica para os
itinerários formativos. Dependendo da forma como o projeto é implementado, esse
cenário pode levar os estudantes a concluírem o ensino médio com lacunas
significativas em conhecimentos essenciais para a sociedade, como filosofia,
sociologia, história ou biologia, por exemplo, devido à diminuição das horas
dedicadas a essas disciplinas.
Os itinerários formativos foram desenvolvidos com o
objetivo de promover a flexibilização do ensino médio, adaptando-se aos
interesses dos estudantes e tornando o processo de aprendizagem mais dinâmico e
envolvente. Entretanto, um desafio crucial é respeitar a individualidade de
cada aluno em um contexto onde não há um quórum suficiente para formar turmas
com interesses afins.
Diante da realidade que pontuei acima, será que os
estudantes realmente conseguem selecionar seus itinerários conforme suas
preferências, ou ficam restritos a um número limitado de opções disponíveis?
Caso o último cenário seja verdadeiro, qual será o impacto no interesse e
envolvimento do aluno no processo educacional?
O diálogo é fundamental e, em minha opinião, a
questão central a ser debatida deve ser o estabelecimento de uma matriz
regulatória para as disciplinas que integram as trilhas de aprofundamento nos
itinerários formativos. Acredito que uma especial atenção deve ser dada à
viabilidade de implementação desse projeto em cenários com restrição de
recursos e reduzido número de estudantes, situação recorrente em muitas escolas
da rede pública brasileira.
Paulo Victor Scherrer - diretor de Growth na Gama Ensino, e professor de Biologia na Gama Pré-Vestibular, curso preparatório, com aulas online ao vivo. Atua com foco na preparação para o Enem e outros vestibulares. Se dedica há seis anos à análise estatística do Enem e ao seu método de correção, a Teoria de Resposta ao Item (TRI). Criou o TRI Enem, ferramenta de simulação da nota TRI e do SiSU, disponível gratuitamente na internet.
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