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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Sou um passadista, confesso.

Não sou daqueles que desejam entrar em uma máquina do tempo e viver em outra época, mas gostaria que a ideia de futuro que algumas pessoas de certas épocas alimentaram estivesse mais presente no tempo que vivo, agora. O que sinto é que fomos deixando coisas importantes pelo caminho e passamos a acreditar que nosso destino, aquele ponto no qual tudo será lindo, maravilhoso, pode ser realizado por valores  duvidosos, por serem fátuos. 

Não se trata de fazer mal juízo da modernidade, de não buscar compreender os novos tempos, os interesses que hoje movem os jovens e uns tantos adultos. Trata-se de pensar o quanto estamos perdendo o substrato comum que justificou, desde sempre,  vivermos em coletividade. Tornamo-nos um amontoado de indivíduos sobrevivendo em  um espaço hobbesiano no qual, diariamente, quem for mais rápido ou mais astuto ou mais feroz consegue trazer alimento para casa. Quanto ao espaço público, de ágora virou arena e o Outro tornou-se o cara com a arma apontada pro seu nariz, o leão feroz e faminto que não é mau, mas que precisa viver e você é a única chance dele. 

Tornamo-nos átomos sem direção ou finalidade, reduzidos à nossa natureza, sem nenhum polimento ou acessório. E ainda acreditam, muitos ao nosso redor, que há uma ideia de vitória ou sucesso nesse modelo. A única forma de “se dar bem”.

Como diriam os gregos, trata-se de um modelo de vida idiota, no qual vivemos voltados não para o usufruto da nossa possibilidade criativa, mas para a repetição do ritual do consumo do tempo e da energia vital, até que sofremos um ataque cardíaco, ou uma doença qualquer, ou uma violência vinda do ódio que essa mesma situação fermenta, e tudo termina. Sem obra, sem uma linha indicando um caminho para ser retomado por outro, que chega ao mundo e que poderia ir fazendo desse mundo, na tessitura de lento e delicado trabalho coletivo, um lugar melhor.

Não sou daqueles que culpabilizam os outros e se isentam das responsabilidades. Mas, em minha defesa, digo que percebo essa roda viva do animal laborans e de como essa condição de sobrevivência e reprodução apropriou-se do espaço público, fazendo-o definhar, hoje restando uma ou outra réstia do brilho que teve nos projetos de futuro que o passado fazia sobre nós. Percebo isso e tento pensar nesse espaço público, de pessoas iguais e livres, trazendo suas novidades para os outros, aparecendo por meio do discurso não violento. Penso e falo e busco me relacionar com os outros nestes termos, dia a dia, num esforço de Sísifo.

Não só eu. Pelo contrário: reconheço, algures e alhures, outros, muitos. Aliás, bem mais evoluídos do que eu. Existimos e, portanto, aquele futuro do passado respira. 

É preciso, porém, ter braços fortes, pois remar contra a maré vai, depois de um tempo, amortecendo o corpo e jogando-nos contra as margens, onde há rochas e sobre elas sereias que cantam as delícias de uma vida egoísta e mesquinha, numa batida rítmica envolvente, dizendo que é só fechar os olhos e lasciare via, sem se preocupar com mais nada. 

A única saída é ter a teimosia dos que se lembram ou dos que, apesar de não lembrarem, sonham. Persistir, simplesmente, na ideia de que é possível um mundo melhor, mais livre e mais igual. 

E ficar atento, para reconhecer, entre as sombras, os que também resistem.

 


Daniel Medeiros - doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
danielmedeiros.articulista@gmail.com
@profdanielmedeiros


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