Ao nascer ouvi o primeiro som: El Aleph.
Não era eu, nasci em bom
português.
Depois percebi que era um
anjo da guarda.
Não tenho dúvida de que os
há.
Desde quando fui tragado por
duas vezes.
Por águas barrentas e grossas
das enxurradas;
na terceira e
definitiva uma forte camponesa
Trouxe-me pela segunda vez a
este mundo.
Desde quando os chifres de um
touro tresloucado
Fugitivo do último golpe
torpe
Preto, imenso, olhos rubros
vidrados
Em minha direção parou num
guarda-chuvas.
Desde quando a tuberculose
então fatal
Rendeu-se ao primeiro
atributo do BCG.
Desde quando o acidente na
noite unânime
Veio acompanhado de uma
ambulância
De uma viatura policial
E duas especialistas em
defeitos da face
Aguardavam-se no hospital da
rua dos fundos
Sem nenhum outro paciente
Simplesmente aguardando-me
para começar
A arquitetura da restauração
Do rosto estilhaçado e
estancar o sangue.
Desde o dia em que não sentia
mais poemas
E fui de encontro ao mestre
da neurologia
Que procurou um pássaro
verdugo e encontrou outro
Que há dez dias, o prazo
peremptório,
Detinha o sangue que corria
para meu cérebro.
Quando acertei a boa
velhacaria do mestre
De direito penal
Que escrevia a mesma
expressão
Num saco das hipostáticas
perguntas
E no início da prova
implacável
Pedia a duas moças (por que
duas moças ?)
Que retirassem o ponto entre
cinquenta
E decretava zero para todos.
Como descobri a empatia do
gênio
pelos temas da anistia e do
indulto?
Talvez não fossem comuns.
E nosso infalível mestre não
era nada comum.
Peço que o Aleph seja muito
longevo
Mas um dia Borges o errará
E ficará em silêncio e
chorará no opróbrio
Enquanto eu tomar o trem da
eternidade.
Amadeu
Garrido de Paula -
poeta e ensaista literário, é advogado, atuando há mais de 40 anos em defesa de
causas relacionadas à Justiça do Trabalho e ao Direito Constitucional,
Empresarial e Sindical. Fundador do Escritório Garrido de Paula Advocacia e
autor dos livros: “Universo Invisível” e “Poesia & Prosa sob a Tempestade”.
Ambos à venda na Livraria Cultura.
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