Era o ano de 1912 e, verdade seja dita, o carnaval não era ainda essa folia de dezenas de escolas na avenida e centenas de blocos pelas ruas. Havia o corso e os bailes. Mas muitos já arriscavam um pula pula pelas ruas, participando do jogo das molhadelas, atirando e recebendo as bolinhas de cera com seus conteúdos perfumados ou mal cheirosos, ao som adaptado pra folia das valsas, polcas e mazurcas, adicionadas de uns tantos batuques do pessoal da Bahia que, lá do morro, já providenciava o nascimento do samba. Aliás, as marchas carnavalescas já tinham pelo menos uma representante reconhecida por todos, inclusive pelas altas esferas: Chiquinha Gonzaga. Seu “abre alas” era um sucesso nos cordões que iam pelas ruas se arrastando feito cobras pelo chão. Em 1914, Chiquinha tocaria, em pleno palácio do Catete, o seu Corta-Jaca, que servia de fundo musical perfeito para uma dança tangueada, com corpos bem juntos e movimentos salientes. Foi um escândalo.
Mas nossa história se presta a contar o que ocorreu
em 1912, no sábado que antecedeu o início das folias de Momo. Morre, aos 66
anos, o Barão do Rio Branco, o grande ministro das Relações Exteriores de
vários governos republicanos, embora fosse um monarquista empedernido. Foi uma
consternação incrível, com cenas de choro público e tudo. O povo, de fato,
tinha por aquele homem robusto e de fartos bigodes, um apreço verdadeiro.
Afinal, o Barão ganhou de lavada a Questão das Missões aos argentinos! E, de
quebra, ainda comprou o Acre aos bolivianos, fora umas duas ou três outras
pendengas diplomáticas com a França que ele resolveu com uma mão nas costas.
Era soberbo. E morreu. O presidente da República da ocasião era o vetusto e
atabalhoado Marechal Hermes, apelidado de Dudu e com fama de burro pedrês.
Aliás, conta o anedotário que Maurício Lacerda (que foi um personagem bem
importante, mas que ficou mais conhecido como o pai do Carlos Lacerda, sobre o
qual muitas histórias poderiam ser contadas), que trabalhava no gabinete do
presidente, foi interpelado por um visitante que, vendo-o à entrada da sala do
Marechal, pergunta-lhe: Maurício, você está aí para impedir que as
ignorâncias entrem? Não - respondeu de pronto o Lacerda pai - estou para
impedir que a burrice saia.
Mas então o Barão do Rio Branco morreu. E o Dudu
resolveu, em sua homenagem, transferir o carnaval para abril, junto com a
Páscoa. Não fazia sentido festejar na missa de sétimo dia de homem tão ilustre e
que tanto fez pelo país. E foi lavrado o decreto.
No primeiro momento, a atitude foi acatada com
palmas. É isso, faz sentido. Afinal, é o Barão. E depois, carnaval tem todo
ano. Por que não é possível esperar uns meses que sejam?
O cortejo fúnebre, em direção ao cemitério do Caju,
foi incrível. Só Rui Barbosa, uma década depois, atrairia tanta gente para a
sua morte. O Barão - que muito depois virou festejada nota de mil cruzeiros -
foi homenageado com honras de chefe de Estado.
Mas daí a semana foi passando, as lágrimas sendo
enxugadas, os batuques se intensificando, as roupas do entrudo e as bolinhas de
cera sendo preparadas, os carros do corso todos enfeitados e o fato é que a
folia apagou as solenidades e, afinal, uma semana de luto já era de bom tamanho.
E fez-se o carnaval.
E já que o presidente havia marcado outra data, em
abril, quem iria recusar? E em abril, a população encheu as ruas outra vez. Uma
marchinha fez um grande sucesso nesses dois carnavais - uma premonição
compensatória para o futuro que é o nosso insosso presente - brincando com o
Barão, agourando o Dudu da Fonseca, presidente sem graça e sem competência.
Dizia assim: Com a morte do barão/ tivemos dois carnavá./ Ai que bom, ai que gostoso/
se morresse o marechá.
Hoje, resta-nos o sorriso amarelo por trás da
máscara e, talvez, uma maledicência reprovável na secreta adaptação dos versos.
Daniel Medeiros - doutor em Educação Histórica e
professor no Curso Positivo.
danielmedeiros.articulista@gmail.com
@profdanielmedeiros
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