Estudo mostra que
política de desencarceramento é impactada por falta de informações e questões
de gêneroPixabay
As questões de gênero afetam as mulheres nas mais
variadas situações, inclusive, no acesso a direitos e decisões e acordos como
no cumprimento da política de desencarceramento, o Habeas Corpus Coletivo
143.641/SP, que propunha prisão domiciliar às gestantes e mães com filhos de
até 12 anos de idade ou deficientes. O desconhecimento de dados sobre a
população feminina carcerária e a dupla condenação recebida por mulheres que
cometem crimes - pelo que praticaram e em função do gênero -, foram
identificadas na análise de 177 processos referentes a 190 mães encarceradas na
Penitenciária Feminina de Piraquara.
O resultado desse trabalho integra uma pesquisa
desenvolvida junto ao Centro de Pesquisa Jurídica e Social (CPJUS) da
Universidade Positivo (UP), com 11 pesquisadores, coordenados pelas professoras
Maria Tereza Uille e Olívia Pessoa. Da análise das informações obtidas,
constatou-se que o Habeas Corpus Coletivo 143.641/SP foi insuficiente para
promover o desencarceramento de mães e gestantes e que muitos dados relacionados
à gestação e maternidade não são informados ao longo dos autos processuais,
dificultando a visibilidade e o cumprimento dos direitos destas mulheres. Prova
disso é que em 31% dos processos não há informações nem sobre essas mulheres
terem ou não filhos. “Se não tem essa informação, como o Estado se
responsabiliza por essa criança que teve a mãe aprisionada?”, questiona a
professora Olívia Pessoa, coordenadora do CPJUS/UP.
Nos autos de prisões estudados que continham essa
informação, dentre a totalidade de presas, a média de cada mãe, à época da
prisão, era de dois filhos, sendo que 19% tinham apenas um filho, 21% tinham
dois filhos, 17% possuíam três e 6% tinham a prole constituída por cinco ou
mais. Sobre a faixa etária, 34% possuem filhos de até 6 anos, 28% com filhos de
até 12 anos incompletos, 15% com até um ano incompleto, 7% foram presas ainda
gestantes e 16% com filhos entre 13 e 18 anos. Ainda, em 60% dos processos, não
há informações sobre quem eram os principais responsáveis pelos filhos, antes
ou após o aprisionamento. “É como se o Estado não olhasse para essa criança,
eximindo-se de prover os cuidados mínimos, como designar um responsável para
olhar por esse menor, uma vez que essas informações não estão no processo”,
avalia.
Embora a maternidade seja circunstância que
autoriza a prisão domiciliar desde o ano de 2016, a pesquisa constatou que, em
quase metade dos processos, não há pedido de liberdade provisória ou prisão
domiciliar e, entre eles, apenas 66% mobilizaram o argumento da maternidade. Em
52% dos casos, a liberdade provisória foi concedida, sendo que entre eles, em
mais de dois terços o juiz sequer mencionou a presença de filhos ou da gestação
e apenas 12% dos pedidos de prisão domiciliar foram deferidos. A conclusão é
que, apesar dos esforços legislativos e da decisão proferida no Habeas Corpus
Coletivo, a ausência de informações e a baixa mobilização da maternidade e da
gestação no curso do processo judicial têm atuado como obstáculos ao exercício
de direitos às mães presas.
Penalizadas pelo gênero
Dos dados existentes foi possível traçar que o
perfil socioeconômico destas mulheres, em sua maioria, são jovens, com ensino
fundamental incompleto. Quase metade delas são brancas e, entre aquelas para as
quais havia essa informação, tinham, em média, dois filhos e renda de até dois
salários mínimos.
Sobre as circunstâncias do crime e da apreensão,
quase metade das mulheres foram presas em razão de crimes relacionados ao
tráfico, com quantidade de droga muito baixa. Contudo, as penas aplicadas são,
em sua maioria, superiores a 4 anos, e o regime inicial fechado. A pesquisa
revelou, ainda, que em quase 80% dos casos a prisão se deu em flagrante e sem a
realização de diligências posteriores em 45% dos casos, o que pode sugerir que
são mulheres que atuam como pequenas traficantes. Apesar disso, em apenas 25%
dos casos houve a tipificação pelo tráfico privilegiado. Outro indicador de
disfuncionalidade do sistema é a ausência da realização da audiência de
custódia em quase metade dos casos (47%). A audiência é um ato do Direito
Processual Penal em que o acusado por um crime, preso em flagrante, tem direito
a ser ouvido por um juiz, de forma a que este avalie eventuais ilegalidades em
sua prisão.
Olívia explica que as implicações dessa carência de
informações são várias. “O Estado não saber quem é aquela mulher que está
encarcerada é tornar aquela pessoa apenas um número e não utilizar a fonte tão
importante que é um processo para identificar quem são aquelas pessoas e, a
partir desse dado, poder trabalhar em ações de políticas públicas para que
tenham um impacto na vida daquela mulher encarcerada. Saber qual é a ocupação
dessa mulher para dar uma alternativa financeira que não seja o crime”,
defende. A pesquisa mostra que, para 80% das mulheres, não há dados sobre a
ocupação – e não constam informações sobre a renda de 85% delas. “É olhar para
a pessoa em um aspecto normativo de aplicação da lei, sem entender o contexto
socioeconômico em que ela está inserida. Sem essas informações, o Estado não
consegue desenhar ações efetivas”, avalia.
Universidade Positivo
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