Para milhares de mulheres que convivem com a violência doméstica no interior do
País, a Justiça chega de ônibus. Levar o atendimento aos moradores do
campo é uma forma de garantir o acesso ao cidadão à Justiça.
A
iniciativa está de acordo com a Meta 8, estabelecida pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), que visa fortalecer a rede de enfrentamento à violência
doméstica e familiar contra as mulheres.
Apenas
neste mês de junho, mais de 2 mil casos de violência familiar deverão ser
julgados no projeto itinerante promovido pelo Tribunal de Justiça do Espírito
Santo (TJ-ES), que percorre cidades que não possuem varas ou juizados
exclusivos de violência doméstica para dar andamento aos processos.
Nestas
localidades, as denúncias são raras e a violência é comum. “Nunca mais
pensei que veria um caso de cárcere privado. No interior, há uma extrema
dificuldade para se romper o silêncio. A maioria das pessoas desconhece seu
direito. E, mesmo quando conhecem, raramente denunciam crimes domésticos”,
disse a juíza Hermínia Maria Silveira Azoury, coordenadora do Ônibus Rosa.
Neste mês, o veículo estará em São Mateus, Conceição da Barra e Aracruz,
cidades distantes mais de 200 km da capital, Vitória.
Em
todo o estado, apenas seis juizados atendem exclusivamente crimes que envolvam
violência doméstica e familiar. Cinco deles situam-se na capital ou na chamada
Grande Vitória. São dois em Vila Velha, um em Cariacica e outro em Serra (12,
15 e 27 km de Vitória, respectivamente). Apenas um juizado de Vitória (a
132 km ao norte da capital) possui um juizado exclusivo.
Feminicídios
Com
79 municípios e quase 3 milhões de habitantes, o Mato Grosso do Sul é outro
estado com pouquíssimas varas exclusivas desse tipo de crime – apenas três, e
todas na capital, Campo Grande.O estado registrou de 2006 a 2016 o assassinato
de 776 mulheres, segundo o Atlas da Violências de 2018. Somente no ano passado,
foram 16 feminicídios.
Em
Campo Grande, há mais de 2.500 medidas protetivas de urgência em vigor. Por
dia, juízes das varas especializadas analisam cerca de 20 pedidos deste tipo de
medidas. Para melhorar o atendimento às vítimas da violência doméstica, o
Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS) tem utilizado a Carreta da
Justiça para levar às mulheres do interior a Lei Maria da Penha e seus
impactos.
O
caminhão é um serviço itinerante, organizado como um Fórum, que percorre as
pequenas cidades oferecendo serviços de natureza cível, tipo divórcio, assim
como criminal. A juíza titular da 3ª Vara da Violência Doméstica e coordenadora
da Mulher em Situação de Violência do TJ-MS, Jaqueline Machado, elogia o
trabalho da Justiça itinerante. Para ela, o mutirão oferece a oportunidade
de serviços especializados que, no geral, essa mulher não tem acesso.
“No
dia a dia, ela precisa enfrentar obstáculos muitas vezes intransponíveis. Se
ela depende daquele homem, com que dinheiro vai sair para buscar ajuda? Ela só
vai conseguir se for socorrida por alguém e, no interior, as pessoas não querem
se envolver. Ainda está no imaginário que, em briga de marido e mulher, ninguém
deve botar a colher”, disse.
Servidores da Justiça do Espirito Santo em atendimento ao cidadão no "ônibus rosa". FOTO: TJ-ES
Estupro marital
A
juíza Jaqueline Machado também revela que o medo é umas das causas mais
presentes para que a mulheres não consigam sair do relacionamento abusivo. Além
da dependência emocional e econômica, essas mulheres e filhos convivem com o
medo, uma vez que os maridos agridem e ameaçam a família diariamente.
“Quem
vive a violência doméstica já aceitou muita coisa ao longo da vida e meio que
naturalizou isso. O estupro marital, por exemplo. Muitas ainda acham que têm
obrigação de atender os maridos”, disse a juíza, que aproveita a iniciativa
para também levar conhecimento e informação à população, por meio de rodas de
conversa e peças teatrais.
Outro
fato apontado pelas magistradas é o horário de funcionamento das delegacias da
mulher. Elas não funcionam 24 horas e os horários mais difíceis para quem vive
com pessoas violentas são quase sempre a noite e nos finais de semana. A
primeira vez que a Carreta da Justiça foi utilizada nos casos de violência
doméstica foi no ano passado, nas comunidades de Rochedinho e Anhandui.
O
mutirão deve voltar a trabalhar pelo combate à violência doméstica na próxima
Semana Paz em Casa, que ocorrerá de 20 a 24 de agosto, em todo o país.
XI Semana Justiça pela Paz em Casa
As
Semanas Justiça pela Paz em Casa são promovidas pelo CNJ em
parceria com os tribunais de Justiça estaduais, varas e juizados especializados
em violência doméstica e têm como objetivo ampliar a efetividade da Lei Maria
da Penha (Lei n. 11.340/2006) concentrando esforços para dar
andamento aos processos relacionados à violência de gênero.
Esta
mobilização ocorre desde março de 2015, três vezes ao ano – março, em homenagem
ao dia da Mulher, em agosto, por ocasião do aniversário da promulgação da Lei
Maria da Penha, e, em novembro, durante a Semana Internacional de Combate à Violência
de Gênero, estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Regina
Bandeira
Agência
CNJ de Notícias
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