Estudo identificou semelhanças entre a resposta imune provocada pela infecção natural e a induzida pelas vacinas Q-Denga e Dengvaxia (foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil) |
Pesquisadores compararam dados relativos à resposta imunológica induzida por infecção natural e por vacinas e identificaram quais fatores são chave para o desenvolvimento de uma imunidade duradoura. Resultados podem orientar a busca por novas vacinas e terapias antivirais
Ao comparar dados relativos à
resposta imune resultante de uma infecção natural por dengue com os da ativação
imunológica decorrente de vacinas contra a doença, pesquisadores da
Universidade de São Paulo (USP) identificaram marcadores moleculares que podem
servir, no futuro, para o desenvolvimento de novas vacinas e terapias contra
esse vírus. O trabalho também reiterou a eficácia da resposta imune induzida
por dois imunizantes já disponíveis no mercado: o Q-Denga, desenvolvido pelo
laboratório japonês Takeda Pharma e atualmente distribuído pelo Sistema Único
de Saúde (SUS), e o Dengvaxia, do laboratório francês Sanofi- Pasteur. Ambos
utilizam a tecnologia de vírus atenuado.
“Realizamos uma abordagem
sistêmica e identificamos várias semelhanças entre a resposta induzida pela
vacina e a de uma infecção natural pelo vírus. Claro que, no caso dos
imunizantes, eles promoveram a resposta imune sem causar o dano da dengue. No
estudo, também conseguimos caracterizar algumas vias [de sinalização entre
células de defesa]. E a via do interferon [mediada por essa proteína antiviral
produzida pelos leucócitos e por fibroblastos] se mostrou central, com vários
genes importantes que surgem como novos biomarcadores da doença”, conta à Agência
FAPESP Otávio Cabral-Marques,
professor da Faculdade de Medicina (FM-USP) e coordenador da investigação.
Apoiado pela FAPESP por meio de
dois projetos (18/18886-9 e 20/01688-0) e divulgado na
revista Frontiers in Immunology, o estudo é o primeiro a
identificar assinaturas imunológicas da dengue por meio de uma abordagem
chamada vacinologia sistêmica, campo de pesquisa que busca decifrar um quadro
global das respostas imunológicas à vacinação.
No trabalho, os pesquisadores
analisaram 955 amostras de transcriptoma (conjunto completo de moléculas de RNA
expressas) de pacientes infectados pelo mosquito da dengue e de participantes
de ensaios clínicos de imunizantes contra a doença. Os dados foram obtidos de
bancos públicos. Desse modo, foram identificados 237 genes diferencialmente
expressos tanto nos casos de infecção natural, quanto de resposta às vacinas.
“Com base em 20 desses genes em
comum, conseguimos criar um painel para distinguir a gravidade da doença,
particularmente na fase aguda tardia. Por meio de técnicas de aprendizado de
máquina, também foi possível classificar dez preditores [assinaturas
imunológicas] de gravidade da doença nos casos de infecção natural e que são
cruciais para a resposta imune antiviral”, explica Desirée Rodrigues Plaça,
primeira autora do estudo e bolsista de doutorado da FAPESP.
Além de ser causada por quatro
sorotipos virais (DENV1, 2, 3 e 4), a dengue é marcada por diferentes fases
clínicas. Quando não é assintomática, a doença apresenta a fase aguda inicial,
aguda tardia e convalescente.
De ponta a
ponta
“Existe muita diferença, mas
também conseguimos identificar muitas semelhanças entre a resposta imune
induzida pelas vacinas e a provocada pela infecção natural. Afunilando o
conjunto de dados, identificamos 20 genes comuns nesses dois processos, que são
expressos de forma semelhante. São eles os responsáveis por enriquecer a via
protetora do sistema imune, sobretudo, a via imunológica do interferon do tipo
1 e 2”, diz Plaça.
O interferon é uma citocina
cujo papel principal é inibir a replicação viral. Como ele provoca uma reação
em cadeia que afeta várias moléculas, o estudo mostrou que, embora as vias
antivirais do interferon sejam responsáveis por uma defesa precoce (atuam na
linha de frente), por meio de suas complexas funções biológicas a proteína
prepara o terreno para o desenvolvimento de uma imunidade adaptativa robusta e
duradoura.
“A via do interferon é muito
importante na ativação da resposta adaptativa. Formada pelas células T e B
[dois tipos de linfócitos], a resposta adaptativa causa a proteção permanente
[o objetivo da vacina]. Portanto, é de extrema importância entender quais genes
associados a essa via seriam determinantes para produzir uma resposta
adaptativa mais protetora”, explica Plaça.
O cenário
completo
Com as informações obtidas no
estudo, os pesquisadores conseguiram identificar estratégias terapêuticas que
podem bloquear, ativar ou induzir genes envolvidos no processo da resposta
imune, o que abre a possibilidade de investigar novos alvos terapêuticos para a
doença.
No trabalho, os pesquisadores
identificaram os principais genes (OAS2, ISG15, AIM2, OAS1, SIGLEC1, IFI6, IFI44L, IFIH1 e IFI44)
envolvidos na orquestração de aspectos importantes da resposta imune
adaptativa. Dessa forma, enquanto alguns genes (OAS2 e OAS)
apresentam funções antivirais, outros (como o ISG15) restringem a
replicação do vírus.
Os pesquisadores descobriram
ainda que, nesse processo, existe um gene (AIM2) responsável por ativar
o inflamassoma – um complexo proteico presente no interior das células de
defesa que, quando ativado, produz moléculas que avisam o sistema imune sobre a
necessidade de enviar reforços ao local da infecção –, iniciando respostas
pró-inflamatórias cruciais para uma defesa antiviral eficaz. Cabe ao gene SIGLEC1 participar
de interações de células imunes, facilitando a apresentação de antígenos e o
reconhecimento imunológico adaptativo.
Induzidos pelo interferon, três
genes específicos (IFI6, IFI44L e IFI44)
estão associados à modulação da apoptose (morte celular programada) e à defesa
antiviral. Já o gene IFIH1 atua como um sensor importante, que
modula a resposta adaptativa aos vírus de RNA, como é o caso do DENV. Outros
genes (IFIT5 e HERC5) apresentam papel importante na
inibição da replicação viral mediada pelo interferon.
“O conjunto de genes relevantes
em todo esse processo ressalta quão intrincada é a ligação entre as vias
antivirais iniciais e os processos imunes adaptativos subsequentes. É como se
as duas pontas de uma história se unissem”, comenta Cabral-Marques.
O artigo Immunological
signatures unveiled by integrative systems vaccinology characterization of
dengue vaccination trials and natural infection pode ser lido
em: www.frontiersin.org/journals/immunology/articles/10.3389/fimmu.2024.1282754/full.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-mapeia-os-principais-genes-envolvidos-na-resposta-imune-contra-o-virus-da-dengue/51027