A morte de uma mulher que se deu por violência de
gênero, menosprezo ou discriminação em razão de ser mulher é feminicídio.
Antes da consumação, outras formas de ações e
violência são efetivadas contra a mulher. Formas sutis como humor e publicidade
sexista, controle, até formas explícitas como chantagem emocional, humilhação,
culpabilização, perseguição, assédio, gritos, abuso sexual, insultos, ameaças
até culminar com a violência física.
O ciclo da violência, muitas vezes, inicia com a
violência psicológica: chantagens, controle, ofensas verbais, humilhações,
xingamentos e demais atitudes que acabam com a autoestima da mulher, que não
tem consciência da sua condição de vítima.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança
Pública de 2021, durante a pandemia, houve um aumento de 0,7% de feminicídios,
o que representa mais 1.350 mulheres assassinadas só porque são mulheres.
Em um panorama geral do crime, 74,7% tem entre 18 e
44 anos, 61,8% são negras e 81,5% foram mortas pelo companheiro ou
ex-companheiro, observando-se que 55,1% foram por arma branca.
A residência é o espaço de maior risco para as
mulheres: 48,8% das vítimas relataram que a violência mais grave vivenciada
ocorreu dentro de casa. E este percentual vem crescendo.
Ante esse panorama, leis precisam conter esses
números. E, a seguir, algumas novidades nesse âmbito:
Violência Psicológica contra a Mulher, Lei 14.188
de 28 de julho de 2021
Segundo o Relatório Visível e Invisível 2021, do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somente no ano de 2020, a cada minuto,
oito mulheres apanharam no Brasil durante a pandemia. Cerca de 13 milhões de
brasileiras (18,6%) sofreram a violência mais frequentemente relatada: ofensa
verbal, insultos e xingamentos. A violência psicológica, em geral, é o início
do ciclo da violência vivido pelas mulheres nos relacionamentos.
A nova legislação alterou a modalidade da pena de
lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo
feminino e criou o tipo penal de violência psicológica contra a mulher. A nova
legislação também definiu o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a
Violência Doméstica como uma das medidas de combate à violência, onde a letra X
é escrita na mão da vítima, de preferência na cor vermelha e funciona como uma
denúncia silenciosa e discreta.
A reflexão que se faz necessária é sobre a aferição
do dano psicológico, através de laudos. Primeiro quanto a necessidade de laudos
emitidos por peritos psiquiatras e/ou psicólogos. E os laudos particulares
serão aceitos?
Outro ponto muito importante: com um laudo desses
em mãos, que atestará um dano à saúde mental da mulher, cuidado redobrado
quanto ao uso, principalmente para serem usados nas Varas de Família,
especialmente nas Ações de Guarda de Filhos, lembrando o sistema machista e
patriarcal que ainda vivenciamos também no Judiciário.
Stalking, Lei 14.132 de 31 de março de 2021
Perseguir alguém, reiteradamente, por qualquer
meio, ameaçando a integridade física ou psicológica, restringindo a capacidade
de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de
liberdade ou privacidade é crime!
Foi acrescentado o art. 147-A no Código Penal e
revogado o art. 65 da Lei de Contravenções Penais, deixando de ser a conduta
enquadrada como “mera perturbação da tranquilidade alheia”.
O stalking tipifica a perseguição compulsiva
(obsessão) que restringe a liberdade e a intimidade da vítima. A pena será
aumentada se contra mulher por razões de condição do sexo feminino.
Exemplos de atitudes criminosas: a pessoa foi
bloqueada e continua insistindo no contato; aparece nos mesmos locais; promove
ameaças físicas e emocionais. Se pelo meio virtual, a vítima deve fazer prints
e registros das formas utilizadas para contato pelo stalker.
Violência Política de Gênero, Lei 14.192 de 04 de
agosto de 2021.
Foi sancionada a lei que estabelece normas de
prevenção, repressão e combate à violência politica contra as mulheres, nos
espaços e atividades relacionadas ao exercício de seus direitos políticos e
funções públicas. Fica assegurada a participação delas em debates eleitorais.
Para estarem na política, as mulheres necessitam de
segurança e independência e, por isso, essa lei é considerada um avanço no
tema.
Todas essas novidades são medidas necessárias
para enfrentar a Violência Doméstica contra as Mulheres.
Nos 15 anos da Lei Maria da Penha, ainda que
considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três
legislações mais avançadas no combate à violência doméstica, juntamente com
Espanha e Chile, o Brasil ocupa alta posição no ranking dos países mais
violentos do mundo para mulheres.
Segundo o Portal de Monitoramento da Política
Judiciária de Enfrentamento à Violência Doméstica contra as Mulheres do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foram concedidas 386.390 medidas protetivas,
somente no ano passado. Medidas protetivas são um conjunto de determinações
impostas pelo Judiciário a um agressor para que se afasta da vítima (ou em
risco de sofrer violência).
Ainda sobre a Lei Maria da Penha é necessário
desmitificar alguns pontos:
- A
violência doméstica não distingue classe social, idade, grau de
escolaridade.
- Mulher
não gosta de apanhar nem merece apanhar. Toda violência deve ser
repudiada. Muitas vezes permanecem no relacionamento por não terem
condições financeiras de sustento próprio e dos filhos. Além do medo de
retaliação pelo companheiro, após as denúncias, ou de perder a guarda dos
filhos.
- A
autoridade policial irá orientar, quando do atendimento à vítima, todas as
ferramentas disponíveis, previstas na Lei.
- Em
briga de marido e mulher, mete-se a colher sim. Essa atitude pode salvar
vidas.
- “Um
tapinha dói sim”. A agressão não é isolada, pontual. Ela ocorre repetidas
vezes, de várias formas, afetando o psicológico da vítima.
- Ninguém
tem direitos sobre o corpo de outra pessoa. Toda relação sexual deve ser
consensual e previamente conversada para que a vontade e o desejo de ambos
sejam satisfeitos até o limite de cada um.
- Não
cabe somente à mulher manter o relacionamento. Aos dois cabe construir uma
relação saudável, tranquila, equilibrada e equânime.
- Não
é somente agressão física que é violência doméstica. Existem outras formas
de violência: moral, psicológica, patrimonial e sexual.
- A
violência doméstica acontece mesmo sem histórico de bebidas, drogas ou
doenças mentais.
- A
Lei Maria da Penha atende mulheres cis e trans também.
- Antes
só do que mal acompanhada. Continuar como agressor traz riscos à mulher e
aos filhos sendo que estes também poderão sofrer violência ou reproduzirem
esses atos violentos dos agressores.
- Denuncie,
ainda que anonimamente, qualquer ato de violência.
Leticia Helena Malzone - advogada militante em
direito de família e sucessões desde 1999 e conciliadora das Varas da Família
até 2010. Também atua em direito civil, imobiliário e internacional.
Toledo e Advogados Associados
http://www.toledoeassociados.com.br.
Youjin Law Group
https://leetoledolaw.com/