Está no DNA do brasileiro o hábito de comer pão no café da manhã e aproveitar uma cervejinha no fim de semana. Mas, atualmente, massas, tortas, bolos e até bebidas precisam ter uma versão sem glúten. Esse elemento, presente no trigo, foi acusado de atacar a saúde. Será que o trigo merece mesmo ser o vilão das dietas?
O trigo é um dos cereais mais
antigos da humanidade e um dos pilares da alimentação global. Ele integra a
dieta de bilhões de pessoas há milênios e, mesmo em tempos modernos, continua
sendo um ingrediente essencial em muitas cozinhas. Mas a popularização das
dietas sem glúten, associada ao aumento de casos de alergias e intolerâncias
alimentares, fez o trigo se tornar alvo de críticas e teorias controversas.
Vamos desvendar se essas acusações têm base científica ou se estamos
demonizando um alimento essencial.
O Trigo: fonte de energia e nutrientes
O nutrólogo Dr. Ronan Araujo, explica que o trigo fornece carboidratos complexos — uma fonte de energia de longa duração —, além de fibras, vitaminas do complexo B e minerais essenciais. Dietas consagradas, como a mediterrânea, têm o trigo como base. Na Europa, por exemplo, o pão é parte da alimentação diária e não há uma epidemia de desconforto digestivo entre os consumidores regulares. O problema, então, não parece estar no trigo em si, mas talvez em como ele é consumido.
Para entender melhor, vamos
conhecer a estrutura do grão de trigo:
- Casca: Rica em fibras,
vitaminas do complexo B e minerais.
- Endosperma: A parte central,
que é a principal fonte de carboidratos.
- Gérmen: Onde se concentram
proteínas, vitaminas e gorduras saudáveis.
Essas partes do grão compõem a
farinha integral, que é mais nutritiva do que a farinha refinada, amplamente
utilizada em produtos industrializados. A farinha refinada perde a casca e o
gérmen, tornando-se menos rica em nutrientes e fibras.
O Glúten: vilão ou necessário?
O glúten é a combinação de duas
proteínas do trigo: a gliadina e a glutenina. Essa mistura é o que confere
elasticidade às massas e faz com que o pão cresça e fique fofinho. Sem glúten,
massas não teriam a mesma textura e sabor, o que torna o glúten um componente
valorizado na panificação.
Porém, algumas pessoas apresentam reações adversas ao glúten:
• Doença celíaca: Uma condição autoimune grave em que a ingestão de glúten desencadeia uma resposta imunológica que ataca o intestino delgado. Afeta cerca de 1% da população e exige uma dieta totalmente sem glúten.
• Sensibilidade ao glúten não celíaca: Uma condição menos severa, mas que causa desconforto em algumas pessoas ao consumir glúten. Os sintomas podem variar, e a sensibilidade não está associada a uma resposta autoimune como na doença celíaca.
• Alergia ao trigo: É uma reação alérgica às proteínas do trigo, não apenas ao glúten, e pode desencadear desde urticária até dificuldade para respirar.
Para a maioria das pessoas, no
entanto, o glúten não apresenta problemas. “Há uma ideia errônea de que o
glúten aumenta a inflamação no organismo, mas até hoje, nenhum estudo provou
essa ligação para pessoas sem doenças associadas”, aponta o consenso de
especialistas em nutrição. E vale ressaltar: cortar o glúten sem necessidade
pode até trazer prejuízos, já que muitos produtos sem glúten contêm mais
calorias e menos fibras, levando ao ganho de peso e à redução da saciedade.
A teoria do trigo “modificado”
e a força do glúten
Algumas teorias populares alegam que o trigo moderno possui mais glúten do que antigamente e que ele foi geneticamente modificado, aumentando os casos de intolerância. Porém, essa ideia é considerada um mito. Na realidade, o trigo passou por melhoramentos para se adaptar ao clima e solo brasileiros e à panificação, onde a “força do glúten” — ou seja, a capacidade do glúten de formar uma rede mais resistente — foi aprimorada. Esse ajuste ajuda o pão a crescer mais e a ganhar uma textura mais macia, mas não aumenta a quantidade de glúten em si.
A onda de produtos sem glúten
também surgiu da demanda de uma pequena parcela da população que realmente precisa
evitar essa proteína. Mas, para a grande maioria, o glúten pode fazer parte de
uma alimentação equilibrada.
O que realmente prejudica a digestão?
O médico Ronan Araujo, comenta que,
muitas pessoas dizem sentir desconforto ao consumir produtos à base de trigo.
Porém, o problema muitas vezes está nos produtos industrializados. Muitos pães,
bolos e biscoitos comerciais contêm aditivos, conservantes e açúcar, que podem
dificultar a digestão. Experimente comer um pão de fermentação natural, feito
apenas com farinha, água e sal. A fermentação natural, além de dar um sabor
mais autêntico, torna o glúten mais digerível, pois as enzimas do fermento “pré-digerem”
parte das proteínas.
Quando o glúten deve ser evitado?
Cortar o glúten só é realmente necessário para quem tem doença celíaca, sensibilidade ao glúten não celíaca ou alergia ao trigo. Para outras pessoas, ele não traz riscos. Em vez de remover o trigo e o glúten por completo, focar em escolhas mais naturais e menos processadas pode ser a melhor abordagem para uma dieta equilibrada.
Com tantos mitos circulando, é
fácil demonizar o trigo e o glúten. No entanto, a ciência nos mostra que, para a
maioria das pessoas, eles podem fazer parte de uma alimentação saudável e
balanceada. O trigo, especialmente na forma integral e consumido de maneira
equilibrada, traz nutrientes importantes e energia para o dia a dia. Restringir
sem necessidade pode trazer mais danos do que benefícios.
“Se você sente algum desconforto
digestivo, observe a qualidade dos produtos que consome e, se possível, opte
por pães e massas com fermentação natural. O pãozinho do café da manhã ou a
massa do fim de semana não precisam ser cortados — eles só precisam ser
saboreados com consciência e equilíbrio.”. Conclui o Dr. Ronan Araujo.
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