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sábado, 16 de novembro de 2024

Filosofamos sobre a vida

M.M., ademais de ser artista, é indagadora de tudo, que adora desenhar panoramas futuros para a própria existência. Conversávamos sobre a possiblidade de construir as circunstâncias do devir para melhor gozá-lo. Quer dizer, fazermos um esforço para cumprir um plano de chegada a um bom lugar de existir. Se alcançada uma condição combinada consigo mesmo\a, permitir-se reduzir as pretensões, apreciar a paisagem e, desobrigando-se de mais, estacionar por ali.

Enquanto eu me dava com mais gosto pelo fruir o amealhado no caminhar o meu caminho, M.M. dizia da sua satisfação em trilhar o dela, e que demoraria até sentar-se entre seus sucessos. Eleger caminhos, falei eu, já é fazer futuro, pois eles são meios de fins. M.M., poeta, diz estar levando suas pegadas para onde quer chegar. Trouxe António Machado: “Caminhante, as tuas pegadas \ São o caminho e nada mais \ Caminhante não há caminho \ O caminho faz-se ao andar”.

Pusemo-nos a indagar se é mesmo assim: se nossos planos são feitos ao acaso do cotidiano; se não podemos ter nossos sonhos de tempo longo, buscá-los, construí-los. Achamos que sim, mas que temos que negociá-los a dia com o mundo. O mundo, ainda que não pretenda nos embaraçar, não nos vai ciceronear em um passeio fácil. O mundo simplesmente não está interessando em nossos planos pessoais. O mundo é o mundo, indiferente, e só.

Aí nos vem uma reflexiva discussão: Sartre (e o\as existencialistas) nos propondo que o mundo está em nós próprios, que a cada momento, em cada lugar, somos mais as circunstâncias que alguma essência. Seja: somos um pouco nós e muito mais o nosso derredor. Mas então eu não tenho nada a dizer sobre mim? Para Sartre, segundo o lemos M.M. e eu, não só tenho a dizer sobre mim como estou obrigado\a a fazê-lo, ou então não terei existência, serei coisa.

Acode-nos C.D.A.: é claro que eu tenho minha vontade, aceito ou recuso condições do mundo, não estou inerte nele; há as circunstâncias da minha vida, mas elas não são a minha vida. Concordamos, não somos passivo\as; contudo, resta o interrogante: as circunstâncias não são a minha vida, mas elas a determinam? O que se denomina contingência, os fatores todos que me antecedem, me circundam, me acompanham, me aguardam: que posso eu, se estou imerso\a neles?

É simples, evidente, no entanto espanta: ninguém está fora das condições do mundo. Parece que temos margem de arbítrio em transitar por essas circunstâncias, que podemos mesmo transcendê-las – ou não haveria História –, todavia, nós superamos a nossa contingência contingenciados por ela. Aí nos veio, a nós três que conversávamos, um pensamento que nos pareceu fundamental: a necessidade de uma cultura de promoção das condições de viver o mundo, de uma civilização de paz, na expressão de C.D.A..

Não referimos, contudo, pieguices de bondade, mas de interesse, de puro e declarado interesse. É que Ortega y Gasset tem razão: “Eu sou eu e a minha circunstância, e se não a salvo, não salvo a mim mesmo”. Herdamos um mundo, nascemos, crescemos no mundo herdado. Nenhum\a de nós será muito melhor do que o mundo que herdou. De toda sorte, se as circunstâncias que encontro me são dadas, nada me impede, antes tudo me recomenda, que sobre elas eu edifique contribuições. Se há vontade de gozo da vida, hei que contribuir para que haja uma vida que me propicie seu gozo.

Mas, essas circunstâncias: que é “circunstâncias”?, o que, considerando a vida concreta, podemos nomear circunstâncias do viver? O\as outro\as: as circunstâncias são o\as outro\as. O céu e o inferno são o\as outro\as. Viver é, sobretudo, conviver. Se me confino em limites solitários, sem interação com o\a outro\a, seguramente não terei alegria. A nossa felicidade possível está no trato com quem, igualmente a nós, busca e obtém condições de um viver alegre.

O\a outro\a, pois, não é um\a concorrente, mas alguém com quem eu necessito conjugar esforços: nele\a investir, dele\a aceitar investimento. A criação de vínculos afetuosos e criativos com o\a próximo\a é o elogio de nós próprio\as. Esforços, todavia, não farão o mundo tal e qual o queremos. Sempre o mundo, antes de ser a minha vontade, será circunstância. Nós, nele, com ele interagimos; ele nos constrói, nós o reconstruímos. Na História, nós fazemos a História. Se nós a fizermos mal, ela fará mal a nós. 



Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista.

 

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