Pesquisa recente sugere que manipulação de dieta e
inclusão de certos antibióticos podem oferecer novos caminhos para diagnosticar
e tratar doença
Aos poucos, a
ciência vai buscando caminhos para o tratamento da dor crônica, doença que
prejudica bastante a qualidade de vida do portador e que atualmente atinge
cerca de 30% da população brasileira. Um estudo pioneiro sobre dor crônica
recentemente conduzido pelo Hospital Rambam Health Care Campus, localizado em
Haifa, norte de Israel, busca observar o impacto do microbioma intestinal ao
utilizá-lo para o tratamento de condições associadas.
A pesquisa tem
sido realizada pelo doutor Amir Minerbi, diretor do Instituto de Medicina da
Dor do Rambam e foi destacada pela Nature, uma das
revistas científicas mais renomadas do mundo. Minerbi observa que estudos
indicam que indivíduos com dor crônica e condições como fibromialgia, endometriose
e síndrome do intestino irritável geralmente têm microbiomas intestinais
diferentes em comparação a indivíduos saudáveis.
A fibromialgia é
caracterizada por dor crônica no corpo, fadiga e problemas cognitivos "Não
sabemos suas causas e, portanto, as opções de tratamento e controle da dor são
limitadas", afirma Minerbi. Dado o cenário, o pesquisador busca
identificar como as atividades microbianas influenciam a fibromialgia e usar
esses dados para desenvolver novas abordagens terapêuticas. Ao analisar perfis
de microbioma em diferentes condições de dor crônica, ele espera identificar
características comuns e variações únicas.
“A dor crônica impõe um fardo enorme aos pacientes. Estamos otimistas de que as terapias baseadas em microbioma podem melhorar muito a qualidade de vida daqueles afetados pela dor crônica. Pelo menos no caso da endometriose, esse alívio é frequentemente encontrado na troca de dietas, uma vez que, de acordo com os alimentos consumidos, a coleção de micróbios que residem no intestino se altera, liberando, por sua vez, substâncias químicas que causam ou atenuam a dor. Além disso, observações de que pessoas com dor crônica têm diferentes misturas de micróbios em seu intestino de outros indivíduos também deram origem à ideia de que manipular esse microbioma intestinal, por meio da dieta ou outros meios, pode ajudar”, explica Minerbi.
Amir Minerbi, do Rambam Divulgação |
A pesquisa ainda não dá certezas e o pesquisador alerta para a necessidade de mais ensaios clínicos. “É preciso dizer que mexer no microbioma dificilmente proporcionará alívio para todos, especialmente quando a dor crônica se torna intrínseca ao cérebro. Mas, dada a escassez de opções e os benefícios potenciais, é válido buscar uma abordagem focada no microbioma, que poderia melhorar e transformar o modo como entendemos, diagnosticamos e tratamos a dor crônica".
Histórico
científico
A conexão entre os
micróbios intestinais e a dor crônica começou a se materializar há duas décadas
em estudos científicos, com lentas evoluções.
De acordo com a
Nature, cerca de 20 anos atrás, estudos com animais começaram a revelar que
certas bactérias estimulam receptores de dor em células do intestino de uma
maneira semelhante à morfina, entre outros mecanismos. Algumas pesquisas sobre
dor visceral identificaram substâncias químicas específicas, produzidas por
bactérias intestinais, que puderam promover ou suprimir dores. Os ácidos graxos
de cadeia curta, por exemplo, que são produzidos quando certas bactérias
digerem fibras, estimulam as células imunológicas a liberarem fatores
pró-inflamatórios, enquanto os ácidos biliares suprimem a atividade dos nervos
sensoriais. Os efeitos podem ser de longo alcance: esses metabólitos podem se
infiltrar na circulação através do revestimento intestinal e cruzar a barreira
hematoencefálica, alterando a permeabilidade de ambas as estruturas. Como
resultado, o microbioma intestinal pode até influenciar a percepção da dor.
No caso da
fibromialgia, a pesquisa de Minerbi sugere que o microbioma intestinal pode não
apenas ajudar a aliviar a dor, como também auxiliar em seu diagnóstico. Em
2019, sua equipe descobriu que pessoas com fibromialgia têm microbiomas
intestinais alterados, e que esses pequenos desequilíbrios se correlacionam com
dor e fadiga e não com dieta, medicamentos ou outros fatores ambientais.
Para o
pesquisador, “foi a primeira demonstração em humanos de que o microbioma intestinal
pode modular a dor crônica generalizada e não visceral”.
Em um estudo de
2023, a equipe descobriu que pessoas com fibromialgia também tinham níveis mais
baixos de ácidos biliares específicos no sangue em comparação com controles
saudáveis e que quanto menor o nível desses ácidos biliares, mais intensa era a
dor relatada. “Isso acontece porque alguns desses ácidos se ligam a neurônios
na medula espinhal que suprimem a dor. Sem eles, a dor pode aumentar sem
controle”, explica Minerbi. O estudo sugere que restaurar os níveis desses ácidos
biliares pode ajudar a reduzir a dor da fibromialgia.
Para comprovar a relação, a equipe de Minerbi tentou transplantar matéria fecal de doadores saudáveis em 14 mulheres com fibromialgia para tratar tais desequilíbrios do microbioma intestinal. Após cinco tratamentos quinzenais, 12 dos voluntários nesse estudo piloto, que não foi revisado por pares, relataram dor menos intensa do que antes. Um ensaio randomizado e controlado por placebo é o próximo.
Além disso, o grupo de Minerbi também está desenvolvendo um algoritmo de aprendizado de máquina para relacionar a dor crônica aos perfis do microbioma intestinal e outros marcadores sanguíneos. Até agora, a ferramenta diferencia apenas entre pessoas com fibromialgia e aquelas que não têm dor crônica. “O próximo passo é ver se podemos pegar alguém com dor crônica e dizer que tipo de dor crônica eles têm, o que é realmente a questão clínica. Para isso, estamos investigando o microbioma intestinal em várias condições de dor crônica, na esperança de encontrar semelhanças e mudanças distintas entre elas”, conclui Minerbi.
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