Doença rara atinge quase
900 pessoas no País. Sintomas que confundem médicos podem retardar o
diagnóstico correto
Com o objetivo de
difundir os sinais e sintomas da doença de Gaucher, enfermidade rara e
hereditária que afeta cerca de 10 mil pessoas no mundo,
a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH)
lança a campanha #PenseGaucher. A campanha será realizada durante todo o
mês de outubro. “Queremos chamar a atenção dos hematologistas, pediatras e
demais profissionais da saúde para a doença e, com isso, reduzir a jornada do
paciente em busca do diagnóstico, que pode levar décadas”, afirma Célia
Campanaro, hematologista pediátrica, membro da ABHH.
Assim foi com Paulo Ricarte, da cidade de
Tuntum, no Maranhão. “Um médico me disse que eu teria apenas mais um ano de
vida. Ele não sabia o que eu tinha. Minha infância e adolescência foram muito
difíceis”, conta. Ricarte só foi diagnosticado aos 23 anos, depois de passar
por diversos médicos e especialistas. Hoje, desfruta uma vida praticamente
normal, apesar de apresentar algumas sequelas, principalmente ósseas, por ter
tido o diagnóstico da doença na fase adulta.
“Por essas e
outras histórias, temos de fazer com que os médicos e a população conheçam mais
sobre a doença de Gaucher”, explica a hematologista. Com incidência estimada em 1 para 120
mil pessoas, o Brasil é o terceiro país com maior número de pacientes
identificados, depois dos Estados Unidos e de Israel. Já são mais de 850
pacientes diagnosticados. Para Ricarte, depois do diagnóstico e início do
tratamento, sua vida tomou novo rumo. “Gosto de fazer novas amizades, de
conhecer gente. E quero contar a minha experiência para que outros não passem
pelo que eu passei”, explica o paciente.
Esse longo período para chegar ao
diagnóstico é uma das principais preocupações daqueles que lidam com a doença
de Gaucher. “É de extrema importância que os profissionais da saúde reconheçam
as manifestações clínicas e despertem a atenção para a doença, mesmo que não
sejam eles os os responsáveis por conduzir o tratamento”, afirma Célia. É
importante pensar e investigar os casos suspeitos. Por ser uma enfermidade
evolutiva, quanto mais cedo for realizado o diagnóstico e iniciado o tratamento
adequado, menores serão as chances de complicações, como por exemplo, as
doenças ósseas. O principal objetivo da campanha é a qualidade de vida dos
pacientes. Os primeiros sinais podem
aparecer em qualquer idade, mas predominam na infância e adolescência. A
doença de Gaucher pode ser classificada em três tipos:
- O Tipo 1 (forma não neuropática)
corresponde a 95 % dos casos e é a forma mais comum. Afeta 1 em cada 40 mil a
60 mil indivíduos na população em geral e não compromete o cérebro ou o sistema
nervoso. Alguns pacientes com a doença de Gaucher Tipo 1 podem ter pouco
sintomas, enquanto outros podem apresentar manifestações graves, até fatais. Os
sinais e sintomas mais comuns são a barriga
distendida, pelo aumento do baço e do fígado, fraqueza, palidez, dores
ósseas, sangramentos e hematomas sem história de traumas nos locais. Também
podem acontecer fraturas mais facilmente, pela fragilidade dos ossos. O
hemograma pode mostrar anemia, redução de plaquetas e alterações de glóbulos
brancos. A progressão da doença costuma ser lenta ou variável, e a sobrevida
pode ser normal, na dependência das complicações.
- O Tipo 2 (forma neuropática aguda) é mais
raro e grave. Afeta crianças com quatro a cinco meses de idade, compromete cérebro,
baço, fígado e pulmão. Podem ocorrer convulsões, alterações na respiração e
progressivo retardo mental. A doença evolui rapidamente, causando a morte
geralmente até o segundo ano de vida.
- Já o Tipo 3 (forma neuropática crônica),
também raro, é mais brando que o tipo 2. O diagnóstico é feito na
infância e adolescência e há comprometimento de cérebro, baço, fígado e ossos.
A evolução do quadro neurológico é variável, mas menos grave que o do tipo 2. A
sobrevida se dá até a segunda ou terceira década de vida. Os sinais e sintomas
aparecem até o fim da infância, e os pacientes com doença de Gaucher Tipo 3
podem viver até a idade adulta.
O diagnóstico da doença
de Gaucher se dá com base na história clínica e no exame físico. Na
doença de Gaucher, ocorre a redução da atividade de uma enzima, chamada
glicocerebrosidase ácida, o que leva ao acúmulo de uma gordura específica
dentro de células chamadas macrófagos. Esses macrófagos repletos da gordura não
digerida são chamados de células de Gaucher, e encontrados em diferentes partes
do corpo, principalmente no baço, no fígado e na medula óssea. A procura das
células de Gaucher na medula óssea deve ser feita com atenção, e auxilia no
diagnóstico. A confirmação da doença de Gaucher se faz pela dosagem da
enzima específica no sangue.
O tratamento se baseia na reposição da
enzima faltante e é chamado de Terapia de Reposição Enzimática (TRE). O
paciente deve receber suplementação da enzima glicocerebrosidase ácida,
desenvolvida em laboratórios especiais e muito parecida com a forma normal, que
se encontra reduzida no paciente. Com a TRE, os macrófagos passam a ficar
livres do acúmulo da gordura, e as manifestações da doença têm melhora
gradativa. Os efeitos marcantes da TRE são a diminuição dos volumes de fígado e
baço, melhora das manifestações hematológicas (anemia e sangramentos), melhora
da infiltração da medula óssea e das alterações ósseas, inclusive a dor, com
grande melhora da qualidade de vida desses pacientes. O tratamento da TRE para
a doença de Gaucher é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 1996, e
normatizado desde 2002 com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas
(PCDT), balizado pelo Ministério da Saúde.
Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia
Celular (ABHH):
A Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia
Celular (ABHH) é uma associação privada para fins não econômicos, de caráter
científico, social e cultural. A instituição congrega médicos e demais
profissionais interessados na prática hematológica e hemoterápica de todo o
Brasil. Hoje, a instituição conta com mais de 2 mil associados.