Recentemente, fui entrevistado, sobre, dentre outros assuntos, as razões de a população em situação de rua no Brasil ter aumentado mais de 25% entre 2023 e 2024, apesar da promessa do governo de investir no social. A resposta está na incapacidade de o governo combater as desigualdades sociais, da mesma forma que não consegue reduzir as desigualdades regionais e raciais.
As razões desse fracasso são, basicamente, econômicas, paradoxalmente à posição
– oitavo lugar – no ranking das maiores economias do mundo. O Brasil jamais
terá sucesso duradouro nas políticas de combate às desigualdades sem, antes de
mais nada, cuidar com seriedade das questões econômicas internas, a começar
pelo controle dos gastos primários que reduzem e comprometem a capacidade do
governo federal de investir em infraestrutura básica.
Tomando-se por base os últimos 22 anos, os gastos primários do governo federal
vêm aumentando significativamente. Em 2002, correspondiam a 14,7% do Produto
Interno Bruto (PIB) nacional. Em 2010, esse percentual já era de 17% e cinco
anos depois, em 2015, passou para 19,5%. Um leve recuo se deu em 2018, quando
marcou 19,10%, continuando a cair e, em 2022 foi reduzido a 18%, mas voltou a
subir e fechou 2024 em 19,8% do PIB, podendo ultrapassar os 20% agora em 2025.
Somente nos dois últimos anos do atual governo a elevação foi de 1,70% do PIB,
correspondente a cerca de R$ 190 a R$ 200 bilhões/ano.
A dívida pública também não para de crescer. Era de 7,10 bilhões em 2022 (o
correspondente a 71,7% do PIB), saltou para R$ 8,10 bilhões em 2023 (74,4% do
PIB) e em 2024 fechou em R$ 9,12 bilhões, ou 77,3% do PIB. Um aumento de 5,6
pontos percentuais em apenas dois anos! O resultado é catastrófico para os
cofres públicos porque apenas em juros o Brasil tem de pagar de R$ 1,0 a R$ 1,1
trilhão por ano, valor que equivale a 28% a 29% do total da arrecadação
tributária do país.
Outros
números oficiais comprovam os péssimos resultados nacionais, como por exemplo o
déficit em transações correntes, que chegou a US$ 24,5 bilhões em 2023 e mais
que dobrou em 2024, quando atingiu US$ 56,4 bilhões (2,66% do PIB).
O resultado primário do governo também despencou. Os R$ 54,9 bilhões em 2022
representaram superávit correspondente a 0,60% do PIB, mas os resultados foram
negativos em 2023 (- R$ 264,5 bi, ou 2,4% do PIB) e novamente em 2024 (-R$ 243,6
bi, ou 2,1% do PIB).
Pior ainda foi o resultado público nominal, que dobrou em apenas dois anos. De
R$ 448 bilhões em 2022 (4,5% do PIB), subiu para R$ 996 bilhões em 2023 (8,9%
do PIB) e atingiu R$ 1,12 trilhões em 2024 (9,7% do PIB).
Não é por
acaso que o Brasil vem perdendo expressão mundial quando se trata de PIB. Em
1980, o PIB brasileiro representava 4,30% do PIB mundial e, após seguidas
quedas, hoje representa apenas 1,98% do PIB mundial.
Os investimentos públicos em infraestrutura – que contribuem para garantir
empregos e melhor qualidade de vida à população – também vêm caindo nas últimas
décadas. Em 1980 foram investidos nesse segmento 5,0% do PIB e em 2023 essa
relação foi de apenas 2,1%, sendo 0,30% pela União, 0,90% pelos estados e 1,0%
pelos municípios. O investimento da União, portanto, é praticamente nulo,
apesar das despesas orçamentárias totalizarem R$ 5,5 trilhões, quase a metade
(47%) do PIB.
Déficit virou palavra corriqueira nas contas públicas nacionais. Nas transações
correntes, o déficit saltou de US$ 24,5 bilhões em 2023 para US$ 56,40 bilhões
em 2024, correspondente a 2,66% do PIB. As estatais também apresentaram
resultados negativos nos últimos dois anos. Em 2023, o déficit foi de R$ 4,45 bilhões,
subindo para R$ 6,04 bilhões em 2024. O rombo, no ano passado, correspondeu a
0,05% do PIB. Mais significativo ainda é o déficit que se acumula na
Previdência Social (Regime Geral da Previdência Social somado ao regime próprio
dos servidores da União), embora tenha registrado queda nos últimos dois anos.
Em 2022 foi de R$ 428,2 bilhões (4,32% do PIB), caiu para R$ 371,5 bilhões em
2023 e em 2024 foi levemente inferior, de R$ 366,4 bilhões (ou 3,16% do
PIB).
Ignorando a necessidade de cortar despesas para equilibrar as contas, o governo
vem aumentando seguidamente os gastos tributários da União. As renúncias
fiscais que corresponderam a 1,47% do PIB em 2001, subiram mais de 100% em
menos de 10 anos e em 2010 já representavam 3,60% do PIB. Essa proporção
cresceu para 4,33% em 2015 e para 4,80% em 2023. A estimativa é que,
consolidados os números de 2024, atinja 5,20% do PIB, algo superior a R$ 600
bilhões/ano.
O cenário é agravado pela crescente taxa de juros. Depois de cair 1,25 ponto
percentual de dezembro de 2023, quando a taxa Selic era de 11,75% ao ano, para
10,50% a.a. em maio de 2024, voltou a subir 1,75 ponto percentual em dezembro
de 2024, quando fechou em 12,25%, e o próprio Banco Central, já sob nova
presidência, elevou para 13,25% e sinaliza, para a próxima reuniao do COPOM,
aumento de 1,00 ponto percentual, elevando a Selic para até 14,25%. Isso
implica dizer que a taxa de juros já equivale a mais de 2,5 vezes (2,74) a taxa
da inflação interna, com reflexos muito negativos. Basta observar que cada 1
ponto percentual de acréscimo na Selic implica em pagamento de juros adicionais
de R$ 91 bilhões por ano (quase R$ 8 bilhões por mês).
O controle da inflação é outro fator preocupante porque o governo não consegue
cumprir o teto da meta de 4,50% ao ano. Ficou em 4,88% em 2023 e 4,83% em 2024,
minando a credibilidade da equipe econômica e impactando diretamente os preços
dos alimentos, que em algumas capitais já registram 10% de aumento,
prejudicando novamente os mais pobres e menos favorecidos.
A reforma tributária, alardeada como uma grande conquista, teve muita
comemoração e pouco mérito. Corrigiu algumas distorções importantes, porém é
preciso lembrar que o Brasil terá a maior alíquota do mundo de IBS-CBS (Imposto
sobre Bens e Serviços e Contribuição sobre Bens e Serviços), da ordem de 28% a
28,5%. Nenhum motivo para se orgulhar disso, por óbvio.
Da mesma forma, é modesto o Plano de Corte de Gastos da União, que pretende
economizar de R$ 68 a R$ 70 bilhões em dois anos (2025 e 2026), notadamente
diante do aumento de R$ 142 bilhões em despesas primárias no último biênio e
mais R$ 46 bilhões previstos para 2025 e 2026. Com tudo isso, somada a
necessidade de se pagar juros adicionais de R$ 113 bilhões/ano em razão do
aumento da Selic e da enorme dívida nacional, é muito difícil esperar otimismo
do povo brasileiro.
Ainda mais desanimador é constatar que a alteração da fórmula de cálculo do
reajuste anual do salário-mínimo será muito prejudicial ao trabalhador e a mais
de 70% dos aposentados do RGPS. O reajuste do salário-mínimo passa a ser
calculado pela correção anual da variação do IPCA (ano anterior) acrescida do
aumento real mínimo de 0,6% até o limite de 2,50%, tudo dependendo de o governo
cumprir ou não a meta estabelecida para o crescimento real da receita primária
da União. Cumprida a meta, o aumento real será igual a 70% da variação real da
receita primária. Já em caso de descumprimento da meta do arcabouço fiscal, o
reajuste real será equivalente a 50% da variação real da receita primária,
porem com teto de 2,5%. E os números dos últimos anos mostram que o
descumprimento de metas tem sido uma constante no atual governo.
Com a nova fórmula antiga, o trabalhador que ganha salário mínimo receberia R$
9,50 a mais do que recebe agora. Dinheiro suficiente para comprar um quilo de
feijão. Como o Brasil tem 27 milhões de aposentados ou pensionistas, 5 milhões
de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e outros 15 milhões
de trabalhadores (80% da população dos estados de Alagoas, Amazonas, Maranhão e
Paraíba) que recebem 1 salário-mínimo por mês, o governo deixará de pagar R$
15,36 bilhões por ano a essa parcela humilde da população.
Em outras palavras, o Brasil está fazendo economia tirando renda dos mais
pobres, enquanto permanecem intocáveis os privilégios, penduricalhos e
vantagens pessoais que engordam substancialmente os holerites dos membros das
cúpulas do Poder Executivo (nao concursados), do Poder Legislativo e do Poder
Judiciário, enfim, da maioria esmagadora da classe política.
Em vez de mirar a responsabilidade fiscal e de corrigir políticas equivocadas,
o governo se preocupa mais com a comunicação, a ponto de alçar um marqueteiro a
Ministro da área. O objetivo maior é preservar a imagem do presidente, já
pensando na reeleição em 2026. Deputados do PT cogitam agora algumas propostas
para reverter a impopularidade do governo com vistas à proxima eleição
presidencial. Uma das prioridades do partido, por exemplo, é o fim da escala
6×1. A proposta, apresentada em novembro do ano passado, pretende reduzir a
jornada de trabalho para 36 horas semanais sem considerar os gigantescos
impactos para uma já combalida economia. A prioridade é a reeleição a
qualquer custo, evidenciando uma vez o mal que faz ao país viver em campanha
permanente durante todo o mandato.
Empobrecimento da população com baixíssima renda média domiciliar, queda nos índices de qualidade de vida, favelização das grandes cidades, aumento do número de moradores em situação de rua, crescimento da violência urbana, tudo é consequência desse conjunto de ações que já se provaram incapazes de dar um novo rumo ao país, apesar das enormes potencialidades da nação e não obstante a arrecadação tributária federal seguir batendo recordes. “Insanidade é querer resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual”, alertou há muito tempo o famoso físico Albert Einstein. Não é preciso ser ganhador de um Prêmio Nobel para aprender a lição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário