A humanidade vivencia hoje em dia vários problemas que são produtos da pós modernidade, e um dos mais impactantes é a síndrome de burnout. O termo muitas vezes tem sido mal interpretado porque se mistura a situações que estamos vivendo, como estilo de vida, crenças e valores que carregamos. E enfrentar novos sofrimentos demandam também os admitir. Rever a forma que organizamos nossas vidas e o trabalho não será tarefa fácil.
Não se pode explicar o burnout exclusivamente pelo
ponto de vista fisiopatológico e apenas pelos sintomas da ansiedade, depressão
ou do esgotamento. Genericamente falando, a grande questão é que ele está
relacionado intimamente ao trabalho. É na atividade laboral que a pessoa
vivencia a situação de se adoentar ou mesmo agravar alguma doença mental.
Mais recentemente a Organização Mundial da Saúde
(OMS) definiu cientificamente o burnout que seria o mesmo transtorno do humor
ou de ansiedade, mas com relação direta de causa ou agravamento pelo trabalho.
A grande reflexão é que apesar de estar inserido no Código Internacional de
Doença (CID), ele ultrapassa a definição da doença. É na verdade um conjunto de
doenças mentais que são provocadas ou agravadas pelo trabalho.
É possível, por exemplo, traçar um paralelo das
semelhanças históricas com a lesão do esforço repetitivo (LER) e a doença
osteomuscular relacionadas ao trabalho (DORT). Porque essas patologias também
foram causadas pela mudança da forma como se trabalhava tradicionalmente. Essas
doenças ocupacionais aumentaram quando surgiu a digitação no computador e as
pessoas começaram a ficar mais horas sentadas.
A mudança na rotina de trabalho fez com que os
indivíduos começassem a ter por exemplo a síndrome do túnel do carpo e a
epicondilite que mexeram na rotina do trabalho de digitadores, secretárias e
outros trabalhadores que ficam diante dos PCs por muito tempo.
Em relação às doenças osteo musculares, aquela
inflamação dolorosa que afeta os tendões, músculos e as articulações, houve uma
reação na população de que o problema era o doente, não a doença. Como antes o
funcionário costumava digitar e não apresentava problemas, a tendência foi
responsabilizar a vítima, inclusive atacando mais as mulheres por ter um maior
número de casos. O público, porém, não fez a conta do número de horas
trabalhadas que foram acrescidas com o tempo ou a intensidade diária ou com a
postura inadequada por horas e as novas formas de exigir produtividade.
A partir da abordagem equivocada responsabilizando
vítimas, o INSS tipificou os distúrbios como a LER/Dort [Lesão por Esforço
Repetitivo (LER) e Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (DORT)], que
são síndromes clínicas que afetam o sistema musculoesquelético do paciente e
que tem relação de causa ou agravamento com o trabalho.
A LER/Dort de fato é a mesma síndrome do túnel do
carpo, a epicondilite e a bursite comuns e demais doenças osteo musculares, mas
necessariamente relacionadas ao trabalho. Essa novidade, por sinal, incentivou
a contratação de profissionais de educação física e fisioterapeutas para
ministrarem a ginástica laboral, aquela feita dentro dos locais de trabalho. O
objetivo de estimular a ginástica laboral por trás era hipertrofiar
(fortalecer) a musculatura da força de trabalho para o operador do computador
resistir à carga de trabalho.
O problema se arrastou por um bom tempo até que a situação
gerasse um passivo trabalhista muito grande para as empresas. Inclusive entrou
nessa discussão, a ergonomia osteomuscular, que são práticas que visam o maior
conforto no trabalho para a maior produtividade. Neste caso visam ajustar o
ambiente de trabalho para reduzir problemas físicos, como, por exemplo, os
distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT).
Hoje o empregador está diante de algumas novas
exigências normativas profissionais. Por exemplo, a exigência do ângulo do
cotovelo e o ângulo do pescoço determinado pela altura do monitor; o digitador
não pode ultrapassar a digitação de 8 mil toques (caracteres) por hora e o
empresário pode até ser obrigado a trocar as cadeiras de toda sua equipe,
porque precisam fornecer apoio de cotovelo para todos, além de outras
disposições regulatórias.
Nesta nova fase, ao comprar uma cadeira de
escritório, o produto já vem com apoio de cotovelo, a maciez adequada e com
apoio para lombar. Desta forma foi consagrada a ergonomia osteomuscular,
conhecimentos que previnem e tratam distúrbios osteomusculares no trabalho, ou
seja, doenças que afetam os ossos, músculos, ligamentos e tendões do corpo
humano. Trocamos a adaptação das pessoas ao trabalho, através da ginástica
laboral, pela prevenção de adoecimento adaptando o trabalho às necessidades
humanas de conforto, através da ergonomia osteomuscular.
Essa novidade, comprovou que a LER/Dort,
estabelecida pelo INSS, serviu efetivamente para mobilizar a sociedade e ela
deixar de observar exclusivamente o doente e começar a focar também no
trabalho. Houve resistência no início, mas hoje não se discute mais. No burnout
estamos repetindo a história, mas com enfoque mais amplo e também psíquico.
Uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS)
e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontou que trabalhar 55 horas
por semana ou mais aumenta em 35% o risco de morte por acidente vascular
cerebral (AVC) e em 17% por doença cardíaca. Este estudo revelou que 745 mil
pessoas morreram em 2016 de derrame e doenças cardíacas relacionadas a longas
horas de trabalho. Naquele ano, de acordo com o levantamento, as doenças e
lesões ligadas ao trabalho foram responsáveis pela morte de 1,9 milhão de
pessoas ao redor do mundo.
Hoje, lamentavelmente estamos numa fase que ainda se estimula as pessoas a reforçarem o aparelho psíquico para aguentar a sobrecarga de trabalho. Este excesso vai além do aspecto quantitativo, porque uma abordagem muito importante do problema também é a qualitativa. Há inúmeros trabalhadores que praticam meditação, yoga, fazem boa alimentação, realizam higiene do sono e atividades físicas, que são fundamentais para todos, mas que nesse contexto, na prática, ajudam as pessoas a levarem a cabo suas tarefas ocupacionais diárias. Estamos repetindo a ginástica laboral mas agora mental. Por isso, a OIT alertou para observar o doente e colocar também o ‘trabalho’ nesse contexto.
Dr. André Fusco - médico psicanalista graduado pela Universidade de São Paulo (USP), TedX Speaker e Professor. Como consultor tem atuado no suporte a empresas sobre a complexidade da Saúde Mental e o sofrimento emocional de seus colaboradores, objetivando a produção de resultados sustentáveis por meio de ambientes saudáveis.
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