Cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) propõem
combinar modelos de previsão de expansão urbana, de mudança do uso do solo e
também hidrodinâmicos para criar uma metodologia capaz de fornecer informações
geográficas que identifiquem os locais com maior risco de inundações em
cidades, inclusive as provocadas por chuvas extremas.
O trabalho
pioneiro é feito com base em dados de São Caetano do Sul, na Região
Metropolitana de São Paulo. Pode vir a ser usado por outros municípios na
construção de políticas públicas e na tomada de decisões para enfrentar os
impactos desses fenômenos, podendo evitar, além da destruição de edificações e
de infraestrutura, a morte de moradores.
Os resultados preliminares da pesquisa, financiada pela FAPESP por meio
de dois projetos (20/09215-3 e 21/11435-4),
foram publicados na revista Water. São parte do
trabalho do doutorando Elton Vicente Escobar Silva,
do Inpe, primeiro autor do artigo.
Em
parceria com as universidades federais da Paraíba (UFPB) e do Rio Grande do Sul
(UFRGS) e órgãos locais, os pesquisadores “testaram” o modelo com os dados da
Defesa Civil do município referentes à enchente registrada em 10 de março de
2019, quando três pessoas morreram afogadas e diversas ruas em São Caetano do
Sul ficaram com quase 2 metros (m) de altura de água.
“Trabalho há anos com modelagem, tendo foco em mudanças de uso e
cobertura da terra em áreas urbanas. Queria conjugar com simulação de enchentes.
A oportunidade chegou com o projeto do Elton”, diz à Agência FAPESP Cláudia Maria de Almeida,
orientadora de Silva e pesquisadora do Inpe, onde coordena o Laboratório Cities,
voltado a pesquisas teóricas e de aplicação em sensoriamento remoto urbano.
E completa: “Um diferencial do estudo é, além de aliar modelagem
hidrodinâmica para área urbana à complexidade da rede de drenagem subterrânea
pluvial, usar dados reais para parametrizar e validar o modelo. Conjugamos
imagens de altíssima resolução espacial e deep learning [aprendizado
profundo]. Tudo isso está ligado à big data e
às smart cities [cidades inteligentes]”.
As discussões em torno do conceito de smart cities começaram
em meados dos anos 2010 envolvendo questões tecnológicas, como semáforos
integrados ou paradas de ônibus com wi-fi. Recentemente, passaram a incluir
temas voltados à sustentabilidade e à qualidade de vida dos moradores.
Segundo a
Organização das Nações Unidas (ONU), a população mundial atingiu 8 bilhões de
pessoas no ano passado, sendo que 56% vivem em áreas urbanas. Estima-se que até
2050 a população crescerá para 9,7 bilhões de pessoas, das quais 6,6 bilhões
estarão em cidades (cerca de 68% do total).
Já a atual taxa de expansão dos municípios é duas vezes mais rápida do
que o crescimento populacional. Com isso, a área global coberta por
assentamentos urbanos deve subir para mais de 3 milhões de quilômetros
quadrados (km2) nas próximas três décadas, o
que seria equivalente ao território da Índia.
O
planejamento das cidades, porém, não caminha na mesma velocidade. Com a
urbanização desenfreada há, por exemplo, mudanças no uso e cobertura do solo,
aumento da área impermeável da superfície e alterações da hidrologia. Esse
cenário, aliado à maior frequência de eventos extremos provocados pelas
mudanças climáticas, expõe os municípios a vulnerabilidades, como alagamentos,
enchentes e deslizamentos em épocas de chuvas.
Cruzamento
de dados
Para a modelagem hidrodinâmica, o grupo de pesquisadores utilizou o
software HEC-RAS (Hydrologic Engineering Center's River Analysis
System, na sigla em inglês). É um programa de computador que
consegue simular o fluxo e a elevação da superfície da água, além do transporte
de sedimentos.
Na análise
da extensão de áreas inundáveis foram adotados dois modelos digitais de terreno
(DTM, na sigla em inglês) com diferentes resoluções espaciais – de 0,5 m e 5 m.
O DTM é uma representação matemática da superfície do solo, que pode ser
manipulada por programas de computador e é geralmente representada em forma de
grade retangular, na qual um valor de elevação é atribuído a cada pixel.
Vegetação, edifícios e outras características são removidos digitalmente. Além
disso, quatro diferentes intervalos de computação (1, 15, 30 e 60 segundos)
foram adotados com o objetivo de avaliar o desempenho das saídas das
simulações.
Os
melhores resultados foram obtidos com as simulações de resolução espacial de 5
m, que mostraram os mapas de inundação com maior cobertura dos pontos alagados
(278 em um total de 286 pontos, ou seja, 97,2%) nos menores tempos de cálculo.
Chegaram a mapear pontos de inundação que não foram observados pela Defesa
Civil nem por cidadãos de São Caetano do Sul durante a inundação.
“A nossa
ideia foi criar uma metodologia de suporte para os tomadores de decisão.
Simulamos como será a mudança no uso do solo nos próximos anos e também o que
isso impacta na rede de escoamento fluvial. A partir daí, é possível fazer
simulações com cenários. Um exemplo é cruzar os milímetros de chuva em um
determinado intervalo de tempo para projetar o que pode ocasionar em uma área
do município. Com isso, os gestores poderiam tomar decisões visando evitar
danos tanto econômicos quanto de vidas perdidas”, afirma Silva.
Os
pesquisadores destacam a necessidade de os municípios contarem com bases de
dados atualizadas para esse tipo de trabalho, como é o caso de São Caetano do
Sul. “O modelo funciona e é alimentado por dados. É importante que as cidades
consigam ter bancos de informação atualizados, incluindo registros referentes a
casos extremos, como grandes enchentes e inundações”, avalia Almeida.
Intensamente
conurbado com a capital e com os vizinhos Santo André e São Bernardo do Campo,
o município de São Caetano do Sul tem um histórico de inundações: foram 29
ocorrências entre 2000 e 2022, segundo os pesquisadores.
Por outro lado, é a cidade mais sustentável entre as 5.570 do Brasil,
segundo o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC). E, com
uma população estimada em cerca de 162 mil moradores, apresenta 100% de
domicílios com esgotamento sanitário adequado, 95,4% de domicílios urbanos em
vias públicas com arborização e 37% em vias com urbanização adequada (presença
de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio), de acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O artigo Assessing the Extent of Flood-Prone Areas in a
South-American Megacity Using Different High Resolution DTMs pode
ser lido em: www.mdpi.com/2073-4441/15/6/1127.
Luciana Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/experimento-feito-no-inpe-identifica-locais-com-maior-risco-de-inundacao-em-cidades/41143/
Nenhum comentário:
Postar um comentário