Estudo realizado no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp serve de base para investigações futuras que, se confirmarem os melhores genes candidatos, abrem a possibilidade de aplicação biotecnológica com inserção em plantas de interesse comercial e desenvolvimento de variedades de cana resilientes à pressão ambiental (foto: Luciana Rossini/IAC-Centro de Cana-de-Açúcar em Ribeirão Preto)
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Pesquisa realizada na Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), identificou “genes órfãos” – exclusivos de um
determinado grupo de organismos – em uma espécie de cana, a Saccharum spontaneum, conhecida por sua tolerância aos
estresses bióticos, como ataque de pragas e doenças causadas por insetos,
nematoides, fungos e bactérias, e abióticos, como tolerância ao frio, déficit
hídrico, alta salinidade e deficiência nutricional do solo.
O artigo, publicado na Frontiers in Plant Science em 30 de junho, partiu
do pressuposto de que alguns desses genes nesta espécie poderiam ter papel
significativo diante de estresses.
Todo ser
vivo tem genes muito parecidos com os presentes em genomas de outros
organismos. As plantas, por exemplo, compartilham semelhanças em genes
envolvidos no processo de fotossíntese. Por outro lado, um organismo também
possui genes que não são parecidos com os encontrados em outras espécies. É o
caso das aves, que têm alguns genes sem nível de similaridade com qualquer outro
encontrado no genoma de mamíferos. Pesquisas recentes têm evidenciado que até
mesmo organismos de espécies muito próximas (do mesmo gênero) podem ter genes
que não são compartilhados.
A
cana-de-açúcar despertou interesse do grupo por conta de algumas características
peculiares. Uma delas seriam os eventos de duplicação do genoma que ocorreram
no passado e que resultaram em várias cópias do mesmo gene. Há evidências
científicas de que os genes órfãos podem surgir a partir da cópia de um gene
préexistente. A cópia, ao longo do tempo, tem sua sequência modificada em
decorrência de mutações ao ponto de não ter quase nenhuma semelhança com o gene
que a originou.
Também seria possível que os genes
órfãos, também chamados de taxonomicamente restritos (taxonomically restricted genes), tenham surgido a partir
da reorganização de regiões do genoma que não codificam genes, um fenômeno
muito comum em organismos com genomas complexos, como é o caso da
cana-de-açúcar.
“No artigo, identificamos genes no
genoma da cana-de-açúcar que não têm similaridade com nenhum encontrado em
outros organismos. Acreditamos que possam ser responsáveis por características
ou padrões fisiológicos específicos da espécie”, diz Cláudio Benício Cardoso-Silva,
que desenvolveu o projeto durante seu pós-doutorado no Centro de Biologia
Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp, apoiado pela FAPESP.
“Um fato relevante verificado é que
alguns aumentaram ou diminuíram seus níveis de expressão em plantas de cana em
resposta a diversos tipos de estresses abióticos, principalmente frio”, explica
Cardoso-Silva. “Pode ser um indicativo de que estão sendo regulados em
decorrência desses estresses”, complementa o cientista, que, em seu trabalho,
foi orientado por Anete Pereira de Souza,
professora titular do Departamento de Biologia Vegetal do Instituto de Biologia
da Unicamp.
Com os
resultados relatados no artigo ainda não é possível afirmar que os genes órfãos
identificados tornam a planta mais tolerante a estresses. “Mas o fato de
estarem sendo regulados em condições de estresse acende um alerta para a
possibilidade de terem um papel importante nesses processos”, diz o
pesquisador.
O próximo passo
será verificar como estes genes se comportam em termos de expressão em
experimentos com plantas submetidas a vários estresses e compará-los aos
de plantas não submetidas a estresses. Com a confirmação dos melhores genes
candidatos, abre-se a possibilidade de aplicação biotecnológica, com sua
inserção em plantas de interesse comercial. Isso possibilitaria, no futuro, o
desenvolvimento de variedades de cana-de-açúcar mais tolerantes a diversos
tipos de pressões ambientais.
“Colocamos
um holofote nessa possibilidade para quem quiser retomar os dados do artigo e
dar continuidade à pesquisa, ou que trabalhe com transformação ou edição
gênica, que é uma outra área de pesquisa, escolher um ou dois genes como
candidatos e realizar as validações”, diz Cardoso-Silva, que continua
trabalhando com genômica na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).
“Minha pesquisa atual foca um contexto evolutivo, o estudo da expansão de
famílias gênicas.”
O pesquisador passou um ano na
University of British Columbia, em Vancouver, Canadá, com uma bolsa da FAPESP.
“Hoje temos CRISPR [técnica para a edição genética], e esse trabalho oferece
para quem trabalha com biotecnologia a seleção de genes específicos para
tolerância a déficit hídrico, alta salinidade, frio ou calor excessivo em um
momento em que se busca maior resiliência das plantas cultivadas, com menos insumos”,
comenta Souza.
O artigo Taxonomically Restricted Genes Are Associated With Responses to
Biotic and Abiotic Stresses in Sugarcane (Saccharum spp.) pode
ser lido em https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpls.2022.923069/full.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/pesquisa-identifica-genes-potencialmente-responsaveis-por-resistencia-da-cana-a-pragas-frio-ou-seca/39280/
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