Na década de 90, empresas de vários segmentos,
principalmente fornecedoras da indústria, partiram em busca da ISO 9001, que
estabelece padrões mínimos de qualidade. Agora, em pleno século XXI, a demanda
é outra. Companhias do mundo todo estão em busca de um modelo de governança
para a inovação, estabelecido pela ISO 56002.
A ISO - Organização Internacional de Padronização,
é uma instituição sem fins lucrativos, fundada em 1947, com o intuito de ajudar
na reconstrução das empresas devastadas pela Segunda Guerra Mundial. Ancorada
nos princípios da isonomia (que em grego significa igualdade), a organização
possui atualmente mais de 22 mil normas técnicas, sendo 180 normas de sistema
de gestão.
Com 164 países-membro, a ISO consolidou-se como uma
das mais importantes referências internacionais no que tange a normatização e
modelos de gestão. E, desde 2019, quando publicou a ISO 56002, de gestão da
inovação, tem dividido opiniões. Afinal, será que padronizar a inovação é bom
ou ruim?
Fato é que, se na década de 90, o diferencial
competitivo das empresas era a qualidade, hoje, sem sombra de dúvidas, é a sua
capacidade de inovar, seja reinventando mercados atuais ou mesmo criando novos.
Num mundo de profundas e complexas transformações advindas das tecnologias
exponenciais, inovar se tornou um ato de sobrevivência.
Enquanto vemos startups ganhando capas de revistas
e se tornarem unicórnios nos primeiros anos – ou até meses – de operação, as
grandes empresas assistem a tudo, quase sempre atônitas, sem entender e muito
menos conseguir reagir. É óbvio que um barquinho a motor é muito mais ágil que
um transatlântico.
Diante do pânico de ficarem para trás, as gigantes
criam departamentos de inovação, batizando-os de laboratórios. Seu objetivo é
antecipar tendências, ouvir o cliente e criar o futuro. Contudo, uma minoria é
realmente capaz de tirar os posts-its da parede.
Outras, lançam mão de programas de inovação aberta,
criando estratégias de aproximação com as startups, no intuito de aprender com
elas. No entanto, em muitos casos, cedem à tentação de comprá-las. Ao
internalizar os barquinhos no transatlântico, a maioria fica esquecida em algum
canto qualquer e acaba se contaminando com as burocracias do mundo corporativo.
Obviamente, toda regra tem a sua exceção.
Laboratórios de inovação, assim como programas de inovação aberta, são
extremamente importantes para permitir que as empresas inovem. O problema é que
semente boa em solo ruim, não gera colheita. Para colher bons frutos da
inovação, é preciso, primeiro, preparar o terreno.
E é exatamente aí que mora a proposta da ISO 56002.
Diferentemente de outras normas, essa se propõe a ser um guia de boas práticas,
um modelo de diretrizes e não de requisitos. Resultado de 11 anos de estudos em
um comitê internacional que reuniu mais de 60 países, essa norma oferece um
modelo de governança para a inovação, criando as bases para um bom sistema de
gestão.
Baseada em oito pilares – abordagem por processos,
liderança com foco no futuro, gestão de insights, direção estratégica,
resiliência e adaptabilidade, realização de valor, cultura adaptativa e gestão
das incertezas – a ISO defende que uma inovação pode ser um produto, serviço,
processo, modelo, método ou a combinação de qualquer uma delas. Contudo, o
conceito de inovação é caracterizado por novidade e valor. Em suma, isso
significa que ideias sem a manifestação de valor não são inovações, e sim
invenções.
Sendo assim, as empresas precisam trabalhar no
desenvolvimento da sua estrutura de governança. É preciso definir as bases do
sistema de inovação, estabelecendo onde se pretende chegar, quais ferramentas
serão utilizadas e mensurando de perto cada passo dado. A qualquer sinal de
desvio, é possível ajustar a rota rapidamente.
Ao implementar a ISO 56002, é necessário definir os
objetivos, o propósito, a estratégia, os indicadores de desempenho e, os
recursos que serão empregados na inovação – e não só os financeiros, como
também os recursos de pessoas, conhecimento, infraestrutura e até mesmo de
tempo. A empresa precisa estabelecer onde pretende chegar e quais esforços está
disposta a empregar para alcançar suas metas.
Além disso, a norma trabalha fortemente no
gerenciamento de riscos, entendendo que muitos deles, em vez de ameaças, podem
representar oportunidades de inovação. Quando é identificada uma ameaça, é
preparado um plano de ação contencioso. Quando é identificada uma oportunidade,
ela é automaticamente direcionada para o funil de inovação, onde as ideias são
classificadas e priorizadas de acordo com os interesses da empresa. Quem toma
as decisões não são as pessoas, e sim os indicadores.
Na prática, não existe uma receita única para
todas. Cada uma, num processo de co-criação, precisa refletir sobre seus
anseios e seu apetite para atingi-los. Não existe vitória sem sacrifícios.
Precisamos desmistificar a ideia de que inovação é para poucas, ou apenas para
aquelas com viés tecnológico. Existem inúmeros exemplos de empresas analógicas
que criam maravilhas a partir de um olhar inovador. Mas, sem governança, é
impossível transformar ideias em resultados.
Portanto, padronização não quer dizer encaixotar
tudo em modelos únicos, que poderiam burocratizar ou mesmo engessar a inovação.
Padronizar quer dizer estabelecer requisitos mínimos, criar as bases para
alavancar o poder inovador não apenas das grandes empresas, mas de todas
aquelas que já entenderam que o sucesso de hoje não garante os resultados de
amanhã.
Precisamos deixar para trás o modo empírico com que a inovação tem sido encarada por muitas companhias, onde algumas poucas ideias são levadas em frente e, quase que por obra do acaso, algumas são muito bem-sucedidas enquanto outras quase levam o negócio todo à ruína. Inovar a partir de um framework internacional, que foi testado e aprovado por mais de 200 empresas no mundo todo – sendo cinco só no Brasil – é o caminho mais promissor para elevarmos a nossa sociedade a um outro patamar.
Alexandre Pierro - engenheiro mecânico,
físico nuclear e sócio-fundador da PALAS Consultoria.
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