Comparação, ansiedade, depressão e fingir ter uma vida
perfeita são alguns dos malefícios que a era digital pode trazer; o psicólogo e
professor, Luiz Mafle, esclarece
o que as redes sociais podem causar nas pessoas
Não
é novidade que, ao passar dos anos, as redes sociais têm crescido cada vez mais
e se tornado parte da vida dos brasileiros. Para se ter ideia, de acordo com um
estudo divulgado pela plataforma Cupom Válido, que reuniu dados da Hootsuite e
WeAreSocial, o Brasil é o terceiro país no mundo que mais usa redes sociais.
Além disso, a TIC Domicílios 2020, pesquisa que estuda o uso das TICs
(Tecnologias da Informação e Comunicação) nas residências brasileiras, apontou
que cerca de 81% da população acima de 10 anos de idade no país usam a
internet. São números como esses que mostram o motivo das redes sociais terem
se tornado formadores de opinião e gostos para muitas pessoas.
A
verdade é que, com o passar do tempo, as redes sociais começaram a transformar
as relações entre as pessoas - seja online ou na vida real. “As redes sociais
sofreram muitas mudanças nos últimos anos. Inicialmente, elas serviam apenas
para a comunicação entre as pessoas, mas descobriram nela uma grande fonte de
renda. Assim, a ideia começou a ser fazer com que se passe o máximo de tempo
possível diante da tela para o consumo de propaganda. Para isso, desenvolveram
a estratégia dos algoritmos, likes e engajamentos, que ativam o mecanismo de
recompensa em nosso cérebro. Por conta do impulso constante para checar se
recebemos uma mensagem, nos sentimos desconfortáveis e impelidos a olhar a todo
instante o celular”, explica o psicólogo Luiz Mafle, professor de
Psicologia e Doutor em Psicologia pela PUC Minas e Universidade de Genebra.
Um
ponto importante a ser analisado nessa era das redes é que têm aparecido cada
vez mais novos influenciadores, de diversos assuntos, que começam a ganhar a
vida através da internet. “É bom entendermos que, se alguém está ganhando
dinheiro com uma moda hoje, se a pessoa for tentar copiar, ela já estará
ultrapassada, não atingindo o mesmo resultado. Mas acredito que não podemos
negar as possibilidades que as redes sociais oferecem. Ali se tem todo o
conhecimento disponível e muitos deles podem realmente trazer benefícios e
progressos na vida. O problema é que muitas formas de ganhos oferecidos são
aquelas que não deixam o que em economia se chama de lastro. Ou seja, recurso
que dê um valor real para as coisas, algo físico que sirva de garantia. A
maioria é volátil e dentro de um jogo, que como sabemos, só alguns ganham”,
entende.
Abaixo,
o psicólogo listou alguns gatilhos que podem ser causados por conta da relação
que as pessoas têm com as redes sociais. Confira:
1. Comparação com a vida perfeita
“Como
somos levados a ver a vida dos outros a todo instante, vendendo uma rotina de
realização e felicidade constante, comparamos com as nossas vidas e nos
sentimos piores, por não conseguirmos determinados status sociais ou alegria
sem fim. Nesse processo de comparação, somos acometidos por pensamentos de
desvalorização e tentamos buscar soluções (nas próprias mídias sociais) para
solucionar os problemas que elas estão gerando. Nesse looping, vamos aumentando
a nossa ansiedade, por um lado, sentindo-se insuficientes e, por outro, por não
darmos conta de atingir a suposta felicidade que os outros nos apresentam”,
explica o psicólogo.
2. Vício nas redes sociais
“Difícil
dizer de alguém que não sofra os efeitos do vício em redes sociais, devido ao
efeito da dopamina, estruturado pelos desenvolvedores dos softwares e dos
algoritmos. No documentário ‘o Dilema das Redes’, por exemplo, os próprios
desenvolvedores se tornaram vítimas das suas criações. O que podemos pensar é
em uma redução de danos no momento, ou seja, estipular horário para uso do
celular, se mantendo longe dele nos momentos de desuso e retirando as notificações.
Isso porque, o hábito e a facilidade de acesso ao celular, fazem com que o
acionemos com mais frequência. Se o alcance ficar mais difícil, tendemos a
pensar mais se iremos buscá-lo ou não”, complementa.
3. Cyberbullying
“Algumas
pesquisas mostram que o uso da comunicação via internet reduz a empatia entre
as pessoas, pois não se tem o contato direto com a pessoa, não percebendo a
reação emocional que a pessoa tem ao receber a mensagem. Normalmente, quando
expostos ao sofrimento que a pessoa sentiu, a pessoa que realizou a agressão
tende a se arrepender por esse mecanismo de empatia. Por conta desta falta de
percepção da reação do outro, o cyberbullying se torna mais fácil de se
realizar e por conta do volume de mensagens negativas que se pode receber, os
efeitos também são potencializados. E esse volume ainda pode ser maior devido
ao efeito manada, pois para se sentir incluído, o ser-humano tende a repetir o
comportamento do grupo”, diz Luiz.
4. Comparação em relação a corpos
“É
inevitável vermos pessoas mais bonitas ou com corpos mais definidos que os
nossos. E isso não é um problema. Só que, quando vemos demais, ou consumimos em
excesso essas imagens, a nossa mente incorpora essa imagem como padrão, como
uma verdade a ser imitada. Ao passar por esse processo, passamos a nos comparar
e nesta hora, nos sentimos inferiores. Um processo de desintoxicação destas
imagens ajuda, evitando personagens que apresentam esse padrão de beleza, e
vendo mais as pessoas reais ao seu entorno, no trabalho, na escola, nos espaços
públicos, etc. Depois de algum tempo, a nossa cognição se adapta e a comparação
se mostra menos nociva”, alerta o psicólogo.
5.
Ansiedade e depressão
“O
que se vive na rede social é apenas parte da nossa personalidade que
apresentamos ali. Contudo, para os influenciadores, isso é a principal, ou a
única, fonte de renda. E este é um trabalho que mescla profundamente a
profissão e a vida pessoal. Nesse processo, o que acontece é que a pessoa se
identifica apenas com essa parte da vida, que precisa mostrar. Como a alegria
vende mais que a tristeza, ela precisa se mostrar feliz, mesmo quando isso não
é verdade. Neste momento ela está negando parte da sua própria personalidade, o
que é uma agressão contra si mesma. Uma reação da nossa mente, nesta hora, são
esses sintomas patológicos, que só são superados, quando podemos viver, mais
livremente, todas as emoções, como a alegria, a tristeza, a raiva e o medo”,
completa Luiz Mafle.
Luiz Mafle - psicólogo
Junguiano, professor de Psicologia e Doutor em Psicologia pela PUC Minas e
Universidade de Genebra, mentor. Ele realiza cursos, psicoterapia e supervisão.
Ele faz parte da International Association for
Analytical Psychology - IAAP. É diretor do Instituto C.G. Jung MG,
uma instituição de formação e desenvolvimento de analistas, filiada à
Associação Junguiana do Brasil – AJB e à International Association for
Analytical Psychology – IAAP. O ICGJMG oferece o Curso de Formação de Analistas
para psicólogos e médicos, além de um programa interdisciplinar, aberto ao público.
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