Entre tantas noções sobre o que é certo e errado na postura dos pais em relação aos filhos, criamos uma espécie de senso comum de que precisamos ter “controle” sobre o comportamento das crianças. Ao longo do tempo, isso se “resolvia” por meio de punições e castigos físicos. Disciplina era sinônimo de punição física. Foi assim também que, no passado, os pais colocavam crianças para trabalhar por longas jornadas em minas de carvão, em fábricas ou em roças de algodão, embora vejamos isso, hoje, como uma barbaridade (e é!). Parece distante e sem sentido, mas até 1970, no Brasil, utilizava-se de palmatória para “ensinar” uma criança.
Hoje, a ideia de castigos físicos, palmadas e
punições está superada. Mas é difícil abrir mão da lógica que orientava esse
tipo de postura: a ideia de controlar os filhos.
Eu era um adolescente de 13 anos quando o cinto
de segurança se tornou obrigatório no Brasil, em 1994. Ainda recordo de adultos
com imensa dificuldade em usar o cinto porque não entendiam seu sentido. O que
ocorre com a educação dos filhos é semelhante ao motorista cinquentão que tem a
informação de que os cintos reduzem em 40% as colisões fatais e em 60% os
traumatismos, mas não consegue fazer uso rotineiro, automático e natural.
Ou seja, o que nossos pais viveram, o que nós
vivemos na infância e tudo que aprendemos em nosso ambiente social está relacionado
com a nossa percepção sobre a infância e sobre a criação de filhos. Isso tudo
criou os conceitos e as verdades em que acreditamos. E explica muitas das
dificuldades que você vive hoje. Antes de tentarmos mudar o comportamento das
crianças, precisamos mudar a nós mesmos.
Existe muita informação, muito conhecimento,
muita pesquisa, descobertas da ciência sobre a infância e sobre a educação de
filhos a que nossos pais não tiveram acesso, e que não podemos aprender pelos
meios convencionais. Só conseguiremos aprender o novo se desaprendermos algumas
ideias e jeitos que fomos assimilando sem perceber, ao longo dos anos.
O mais difícil desses conceitos que você deve
abandonar está relacionado à autoridade: entender que os filhos não precisam
obedecer aos pais. Essa ideia de obediência irrestrita cria uma hierarquia
vertical; é a principal causa de desestruturação de inúmeras famílias e um dos
motivos de relacionamentos com pouco diálogo, adolescentes revoltados e pais
altamente estressados.
Essa maneira de se relacionar com os filhos
estabelece a noção equivocada de que filhos que não obedecem são “malcriados”.
Cria culpa nos pais por situações que as crianças vivem na infância que são
resultado de comportamentos naturais, típicos, que toda a criança vive, como as
célebres birras.
A ideia de que pais estão em uma hierarquia
superior deu origem também à seguinte preocupação, que assombra muitas
famílias: será que sou muito permissivo, será que sou muito autoritário?
Essa nova forma de pensar a educação e a criação
dos filhos embute um conceito importante para substituir a obediência pelo
relacionamento. Tudo que envolve uma criação positiva de filhos, menos
estressante para todos, passa pela construção de relacionamentos saudáveis e
atenciosos. Não significa que você precisa ficar brincando com seu filho o dia
todo ou atender tudo o que ele quer. Relacionamento significa olhar para a
criança e entender que ela tem necessidades semelhantes as suas, tem desejos,
vontades, fragilidades, interesses e capacidades diferentes.
E nosso desafio é conseguir orquestrar isso tudo
de forma que não prejudiquemos seu desenvolvimento e não prejudiquemos também a
nossa saúde mental. Criar filhos não é algo fácil – é a maior aventura da vida.
Seremos responsáveis e sofremos os impactos de seus destinos e escolhas ao
longo de nossa vida também. Essas orientações ajudarão você a conseguir uma
relação com mais empatia, entendimentos e colaboração no dia a dia. E, no
futuro, relações saudáveis, próximas, e uma família convivendo em equilíbrio e
harmonia.
Marcio André Bosse - psicólogo, especialista em
desenvolvimento infantil (Instagram: @papaimarcio)
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