Mais de mil voluntários imunizados com a CoronaVac foram avaliados por pesquisadores da USP. Desenvolveram mais anticorpos contra o SARS-CoV-2 aqueles que mantinham ao menos 150 minutos de atividade física por semana, sem longos períodos de sedentarismo (foto: Pixabay)
Manter um estilo de vida fisicamente
ativo pode ser uma estratégia para turbinar a resposta imune induzida por
vacinas contra a COVID-19. Essa é a conclusão de um estudo feito com 1.095
voluntários por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e
colaboradores. Os dados foram divulgados ontem (09/08), ainda sem revisão por pares, na plataforma Research Square.
O
benefício proporcionado pela atividade física foi observado principalmente
entre os participantes que se mantinham ativos ao menos 150 minutos por semana
e não apresentavam comportamento sedentário, ou seja, não passavam mais de oito
horas diárias sentados ou deitados. Considerou-se como “tempo ativo” tanto
aquele dedicado aos exercícios e outras atividades de lazer (caminhada,
corrida, dança, natação, passear com o cachorro etc.), como também às
atividades domésticas (limpar a casa, cuidar do jardim, lavar a roupa na mão),
ao trabalho (carregar pesos, realizar consertos) e aos deslocamentos de rotina
(andar a pé ou de bicicleta até o trabalho, o supermercado ou a escola,
por exemplo). O nível de atividade física foi mensurado por meio de entrevistas
telefônicas. Foram considerados “ativos” os voluntários que relataram ao menos
150 minutos de atividades semanais, somando os vários domínios analisados.
“Uma pessoa que corre durante uma
hora todos os dias e passa o resto do tempo sentada em frente a uma tela é
considerada ativa e sedentária ao mesmo tempo. Nós combinamos esses dois
conceitos diferentes em nossa análise”, explica Bruno
Gualano, professor da Faculdade de Medicina
(FM-USP) e primeiro autor do artigo. “Quando olhamos para os dados, percebemos
claramente que eles formam uma ‘escadinha’: no alto, com a melhor resposta
vacinal, estão os ativos não sedentários. Na sequência, vêm os indivíduos
ativos e sedentários. Por último, os inativos e também sedentários”, conta.
Todos os
participantes da pesquisa foram imunizados com a CoronaVac entre fevereiro e
março de 2021. Amostras de sangue para análise foram coletadas logo após a
aplicação da segunda dose, bem como 28 e 69 dias depois. A qualidade da
resposta vacinal foi avaliada por meio de diversos testes laboratoriais, sendo
os principais aqueles que mensuram a produção total de anticorpos contra o
SARS-CoV-2 (IgG total) e a quantidade específica de anticorpos neutralizantes
(NAb) – aqueles capazes de impedir a entrada do vírus na célula humana.
De acordo com o critério adotado
pelos pesquisadores, atingiram a chamada “soroconversão” os voluntários que no
exame de IgG total apresentaram pelo menos 15 unidades arbitrárias (UA) de
anticorpos por mililitro (mL) de sangue. No caso dos anticorpos neutralizantes,
considerou-se uma resposta positiva quando, no ensaio in vitro feito com o plasma sanguíneo, observou-se
ao menos 30% de inibição da ligação entre o SARS-CoV-2 e o receptor da enzima
conversora de angiotensina 2 (ACE2, na sigla em inglês) – proteína existente na
superfície de algumas células humanas à qual o vírus se conecta para viabilizar
a infecção.
Análise dos dados
Como informa Gualano, o objetivo
primordial do projeto de pesquisa de qual seu artigo é fruto era avaliar a segurança e a
efetividade da CoronaVac em portadores de doenças reumáticas autoimunes, entre
elas artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, artrite psoriática,
vasculite primária e esclerose sistêmica. Grande parte desses pacientes faz uso
de medicações que reduzem a atividade do sistema imune e, portanto, uma
resposta vacinal mais fraca era esperada.
Um primeiro trabalho publicado na Nature Medicine, sob a coordenação
da professora da FM-USP Eloísa Bonfá, confirmou a segurança da vacina e mostrou que ela induz uma resposta
aceitável, ainda que reduzida, nesse grupo de pacientes (leia mais em: agencia.fapesp.br/36470/).
“Neste segundo estudo, buscamos
avaliar a hipótese de que um estilo de vida ativo poderia fortalecer a resposta
vacinal tanto na população de imunossuprimidos quanto em indivíduos sem doença
autoimune. E de fato é isso que nossos dados indicam”, diz Gualano, que
coordena um Projeto Temático financiado pela FAPESP relacionado ao tema.
Foram
incluídos na análise final 898 pacientes imunossuprimidos. Desses, 494 foram
classificados como ativos e 404 como inativos. Além disso, como uma espécie de
grupo controle, participaram 197 voluntários sem doença autoimune – 128 ativos
e 69 inativos.
Um modelo
matemático foi usado pelos pesquisadores para compensar possíveis distorções
que variáveis como idade, sexo, índice de massa corporal (IMC) e uso de
imunossupressores poderiam causar. Isso porque, sabidamente, o funcionamento do
sistema imune é diminuído em indivíduos idosos e em usuários de corticoides e
outros moduladores imunológicos, assim como possivelmente em obesos.
Na
comparação ajustada, os pacientes imunossuprimidos fisicamente ativos
apresentaram uma chance 1,4 vez maior de atingir a soroconversão.
“Dizendo
isso de outra forma: para cada dez pacientes inativos que soroconverteram após
a segunda dose da vacina, há 14 pacientes fisicamente ativos que atingiram o
mesmo resultado”, compara Gualano.
O fato de
ser fisicamente ativo também foi associado a um aumento de 32% na quantidade de
anticorpos contra as regiões “S1” e “S2” da proteína spike (S) – usada pelo
vírus para se conectar ao receptor ACE2 e entrar na célula humana.
“A
atividade neutralizante [NAb] foi, em média, 4,5% maior nos pacientes ativos,
mas essa diferença não foi estatisticamente significante”, explica o
pesquisador.
Já entre
os voluntários sem doença autoimune, a chance de soroconversão foi 9,9 vezes
maior entre os fisicamente ativos e observou-se um aumento de 26% na quantidade
de anticorpos contra a proteína spike. Como o número de voluntários era menor
nesse subgrupo, os dados referentes aos anticorpos neutralizantes também não
apresentaram significância estatística.
“Os
resultados nos permitem concluir que a atividade física potencializa a resposta
vacinal contra a COVID-19 independentemente de fatores como idade, sexo e uso
de imunossupressores. Realizar o mínimo de atividade física já produz uma
resposta positiva, porém, observamos que quanto mais movimento, melhor. As
respostas mais consistentes foram vistas entre os pacientes que realizavam 50
minutos ou mais de atividade física diariamente”, conta Gualano.
Estudos anteriores também mostraram
que um estilo de vida ativo protege contra o agravamento da COVID-19 e, de modo
geral, reduz internações (leia mais em agencia.fapesp.br/34659/).
“A
promoção da atividade física pelos gestores e formuladores de políticas
públicas é algo fundamental. É uma intervenção barata, fácil de escalar para
toda a população e pode fazer ainda mais diferença no caso de pessoas com
sistema imune menos eficiente, como pacientes com doenças autoimunes e idosos”,
opina Gualano.
Embora só
tenham sido avaliados indivíduos imunizados com a CoronaVac, o pesquisador
considera “plausível” que o mesmo efeito seja observado com todas as vacinas
contra a COVID-19 e também contra outras doenças.
Booster natural
Evidências
da literatura científica dão conta de que uma única sessão de exercícios
físicos pode mobilizar bilhões de células responsáveis por fazer a
imunovigilância do organismo, “acordando” o sistema imune. São células que
percorrem os locais usados como porta de entrada pelos patógenos e, ao detectar
uma ameaça, recrutam outras células de defesa para que ataquem o invasor. Quem
se exercita regularmente também apresenta níveis mais baixos de inflamação
sistêmica e de cortisol (o hormônio do estresse), o que contribui para uma
resposta imune adequada.
Como
relatam os autores no artigo, há estudos associando a prática de exercícios a
uma melhor resposta à vacina contra gripe (vírus H1N1, H3N2 e influenza tipo
B), contra o vírus da varicela-zoster e contra a doença pneumocócica.
“Nossos
achados já eram esperados, pois a atividade física sabidamente fortalece o
sistema imune. De qualquer forma, seria importante confirmá-los em um estudo
controlado e randomizado, no qual um grupo de voluntários seria submetido a um
protocolo de exercícios antes do período de vacinação, enquanto outro
grupo-controle, composto por indivíduos com características semelhantes,
permaneceria inativo”, conta o pesquisador.
O artigo Physical activity associates with boosted immunogenicity of an
inactivated virus vaccine against SARS-CoV-2 in patients with autoimmune
rheumatic diseases pode ser lido em www.researchsquare.com/article/rs-782398/v1.
Karina Toledo
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/pessoas-fisicamente-ativas-respondem-melhor-a-vacina-contra-covid-19-indica-estudo/36542/
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