De acordo a sabedoria popular, há males que vem para o bem. No caso da pandemia da Covid é difícil encontrar algo que possa validar este ditado mas, procurando com afinco, podemos acabar achando alguma coisa que o confirme. A crise sanitária desnudou as deficiências brasileiras para o enfrentamento desta epidemia. O país demonstrou não estar preparado, e esta é a lição a ser aprendida. O SUS, nosso sistema de saúde, até que se portou razoavelmente bem, acima, até, das expectativas médias.
Enfrentou bravamente uma doença desconhecida, e
somente entrou em colapso e, assim mesmo, por um breve período, por motivos que
não são de sua responsabilidade direta. Na verdade, as falhas foram causadas
muito mais pelo histórico de baixos investimentos públicos em equipamentos e
produtos, o que causou, desde a falta de máscaras e de roupas de proteção
individual, até a falta de oxigênio, respiradores, remédios para intubação, e
leitos equipados para o apoio à vida dos pacientes.
Também ficou patente, durante o pico da primeira e,
mesmo da segunda onda da Covid, a falta de capacidade produtiva de nossa
indústria de equipamentos e de insumos farmacêuticos incapaz de reduzir nossa
dependência de fornecedores externos, fato que se refletiu na escassez de
equipamentos e produtos farmacêuticos e no forte aumento de seus preços. A
incapacidade brasileira de produzir vacinas sem o fornecimento, chinês ou
indiano, de insumos farmacêuticos básicos é, de certo modo, chocante.
Esta escassez, entretanto, não se limitou à área da
saúde. A recuperação rápida da indústria, a partir do segundo semestre do ano
passado, esbarrou na desorganização das cadeias produtivas mundiais e no
insuficiente fornecimento local. Faltou de tudo, nas cadeias produtivas, desde
matérias primas e insumos básicos como o aço, até componentes sofisticados,
como circuitos impressos, o que acabou afetando a produção de diversas
indústrias, aí incluídas algumas montadoras de veículos.
A bem da verdade, esta escassez ocorreu a nível
mundial, o que consolidou um rally de preços nas principais
commodities e nem produtos intermediários, algo que somente agora dá sinais de
acomodação ainda que os preços permaneçam num patamar bem mais elevado do que
na pré-pandemia. Voltando à tese inicial de que há males que vem para o bem,
podemos dizer que um legado bom da pandemia foi a confirmação de que o Brasil
precisa mudar uma série de coisas em seu modelo econômico.
Algo que ficou muito claro durante esta crise, e a
demonstração não ficou restrita ao Brasil, é que o Estado tem um papel
fundamental na vida econômica de um país. Ele não deve ser relegado à função de
mero espectador, enquanto o mercado resolve os problemas. Em todos os lugares, durante
a crise, foi o Estado quem garantiu a continuidade dos empregos e das empresas,
quem assegurou uma renda mínima aos mais necessitados e quem forneceu os
investimentos necessários para a retomada do crescimento econômico.
Foi novamente o Estado quem, nos países
desenvolvidos, propiciou a quase totalidade dos recursos necessários ao
desenvolvimento das vacinas permitindo a resposta rápida da indústria
farmacêutica. A lição da importância do Estado foi aprendida pela maioria dos
países. O governo Biden, nos EUA, recuperou, depois de quatro décadas de
predomínio do mercado, o Estado como indutor do desenvolvimento através de um
ambicioso programa de recuperação de empregos e de investimentos públicos em
educação e infraestrutura.
O exemplo americano, ainda que em menor grau, foi
acompanhado pelos países da União Europeia e pela maioria dos demais países que
compõe a OCDE. Há, no mundo todo, um renascimento das políticas públicas de
desenvolvimento e até de políticas industriais, tema que ficou banido durante
as últimas quatro décadas. O modelo de desenvolvimento chinês, apesar de
sua estrutura autocrática, tem sido citado recorrentemente como exemplo. O
Brasil, entretanto, parece não ter aprendido nada com a crise da pandemia.
Nós continuamos com a mesma agenda das
intermináveis reformas, apesar de que, cada reforma aprovada, não tenha, na
prática, mudado nada de essencial no “status quo” vigente. O governo, o setor
financeiro e boa parte do setor produtivo continuam acreditando que o mercado,
a livre concorrência e a abertura comercial irão resolver o desemprego, a
extrema pobreza, a fome e a péssima qualidade da educação. A crença, aqui,
continua sendo a de que o Estado atrapalha e a desigualdade de renda é vista
mais como uma questão de meritocracia.
Acreditam que o atual modelo será suficiente para
garantir um mínimo de segurança industrial na produção de insumos farmacêuticos
básicos, de equipamentos hospitalares, de vacinas e de componentes industriais.
Vamos torcer.
João Carlos Marchesan - administrador de empresas,
empresário e presidente do Conselho de Administração da ABIMAQ
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