Os desafios da indústria de O&G são preexistentes ao coronavírus e
sobreviverão a ele, acrescentando novas e relevantes incertezas.
A indústria já vinha lidando com as pressões de ativistas, investidores e
sociedade em geral, demandando uma matriz energética com
menos emissão de CO2 e com mais renováveis. A motivação desses stakeholders
é conter a mudança climática e buscar o desenvolvimento sustentável. Passar da
energia fóssil para energias renováveis mais limpas,
Em que pesem os anseios da sociedade e o fato que algumas soluções se
mostraram efetivamente plausíveis (como os biocombustíveis no Brasil), a
substituição em grande escala do petróleo, principal fonte de energia do mundo,
em particular para o transporte de pessoas e de mercadorias, não é tarefa
simples. Diversos fatores entram em jogo como os grandes volumes consumidos, a
logística envolvida, a necessidade de desenvolvimento de novas tecnologias, o
desafio de barateamento de algumas das tecnologias já existentes, a tecnologia
utilizada nos motores da frota existente, as peculiaridades dos países, entre
outros. Como consequência, para se chegar a uma economia com baixa emissão de
CO2 e com mais Renovaveis é necessário percorrer um longo caminho (muito longo
para muitos), a chamada Transição Energética.
Nesse caminho há uma variável emblemática que é o pico de demanda por óleo.
Embora haja razoável convergência que o petróleo vai ter um papel relevante
como energético nas próximas décadas, uma dúvida é: a partir de que momento o
consumo de óleo começará a cair? Não há consenso. O debate passa pela
velocidade com que os demais energéticos vão ganhar escala na matriz mundial.
Que, obviamente, depende de diversos fatores, inclusive, ações governamentais.
Muitas empresas do setor de O&G já vêm reportando várias iniciativas na
direção da transição energética, com diversas ações e destaque para otimizações
operacionais, com reduções de emissões nas próprias operações das empresas.
Alguns investimentos em desenvolvimento tecnológico e em negócios relacionados
a essas novas energias.
A entrada em cena do COVID-19, afetando a saúde das pessoas e a economia
mundial, com redução da atividade industrial e do deslocamento das pessoas
confinadas e com significativa redução dos voos (segmento com crescimento
significativo no mundo na última década) provocou uma crise sem precedentes
para o setor, acrescentado novas incertezas.
A crise provocada no setor é uma combinação de uma drástica redução no
consumo diário (30% em relação ao mês anterior), que nunca havia acontecido,
combinada com uma significativa redução do preço do petróleo (o petróleo Brent,
que é a principal referência mundial para preço de petróleo iniciou o ano pouco
abaixo de US$ 70 o barril e está sendo negociado pouco acima de US$ 20).
Preços nesse patamar são atribuídos ao óbvio desbalanceamento entre oferta e
demanda, mas também a uma batalha entre os dois maiores exportadores (Arábia
Saudita e Rússia) que tentaram, sem sucesso, um acordo para reduzir as
produções para segurar os preços.
Entre as implicações para as empresas, uma é óbvia e imediata: queda brusca
das receitas. Analistas vêm apontando uma possível consolidação no setor nos
EUA com as dificuldades financeiras de pequenos produtores com dívidas
elevadas. Mas há também implicações para estados e países. Royalties de
petróleo são fontes relevantes de recurso para alguns estados brasileiros, em
particular o Rio de Janeiro. Alguns países dependem do petróleo para evitar
significativos déficits orçamentários, correndo risco de colapso de suas
economias, com consequências geopolíticas. São exemplos a Arábia Saudita, o
Irã, a Nigeria, a Venezuela, a Rússia entre outros.
Como é natural em situações de crises, as ações das empresas estão no
momento voltadas a minimizar os impactos imediatos, preservar a saúde dos
trabalhadores, atender necessidades essenciais e ajudar a sociedade a enfrentar
a crise. No Brasil muitas empresas vêm promovendo ações sociais, atuando
diretamente ou através da entidade representativa do setor, o Instituto
Brasileiro de Petroleo, Gás e Biocobustiveis (IBP).
No meio da crise vários desafios se combinam. São exemplos: o desafio
operacional, em um setor que trabalha com algumas atividades confinados
(plataformas e navios); o desafio de atender necessidades essenciais da
sociedade e o desafio do caixa, com a brusca queda de receitas.
Para enfrentar as dificuldade várias iniciativas estão sendo empreendidas
no setor objetivando preservar a saúde dos trabalhadores e das próprias
empresas: hibernação de plataformas, reduções de equipes, teletrabalho, redução
de custos, renegociações de contratos, etc. Em síntese o desafio da gestão
neste momento é o estabelecimento de novas regras para conduzir as empresas
durante a crise. Face ao ineditismo, é um processo de aprendizagem, baseado em
tentativa e erro: como trabalhar?, como decidir? O que pode ser postergado?,
etc.
No curto prazo, como o mundo saírá da crise é, obviamente, uma variável
muito importante para qualquer setor. No caso do petróleo o consumo tem uma
histórica correlação com o PIB mundial (embora o fator de correlação tenha se
modificado após crises). A Agência Internacional de Energia (EIA, no
original em inglês) está estimando, no momento, que o consumo de petróleo este
ano será 10% menor que o de 2019. Do ponto de vista ambiental, alguns especialistas
estão apontando como externalidade positiva da crise a redução das emissões,
ganhando tempo para se buscar soluções para a questão climática. Outra variável
igualmente importante é: para onde irão os preços do petróleo? Planos de
negócios devem ser revistos, considerando inclusive o atraso na entrega de
unidades marítimas encomendadas pelo setor, consequência dos efeitos da crise
nos fornecedores.
Atravessada a ponte da sobrevivência, o médio e o longo prazos reservam
incertezas fundamentais, mesmo lembrando que o setor tem um histórico de
superação em outras crises. Como já afirmado por muitos, a crise tem potencial
para alterar comportamentos, maneiras de trabalhar e de consumir. Caso essas
mudanças ocorram, como o trabalho em casa, as reuniões não presenciais
(reduzindo viagens a trabalho), entre outras, afetarão o transporte e o mercado
de combustíveis?
Outra questão relevante é: como fica a Transição Energética? Historicamente
preços mais baixos de petróleo desincentivam desenvolmentos de fontes
alternativas. Embora muitos especialistas acreditem que a atual crise pode
trazer a oportunidade caso os governos deem maior ênfase à questão climática,
principalmente onde vem sendo discutidos pacotes de socorro à indústria de
O&G e a flexibilização de regulamentos ambientais para acelerar a retomada
das atividades econômicas (Canadá, por exemplo).
As poucas certezas e as muitas incertezas fazem com que seja impossível,
neste momento, desenhar cenários muito claros. Duas das certezas são: os
hidrocarbonetos continuarão a ter um papel relevante na matriz energética
mundial e os baixos custos de produção são inevitáveis. São as ações interdependentes
dos diversos atores que vão moldar o setor neste novo contexto. É esperar, pois
como disse o pensador americano Ralph Waldo Emerson, “Os anos ensinam muita coisa que os dias desconhecem“.
O novo cenário, muito provavelmente, levará a estratégias adaptativas que
demandarão redução de custos, adequação de portfólios, identificação de
oportunidades e riscos, resiliência para, eventualmente, refazer decisões que
se tornem inadequadas face às mudanças no cenário. Tudo isso combinado com a
capacidade de comunicar as estratégias da companhia e obter a confiança de
investidores e demais stakeholders. Conselhos e diretorias certamente
estarão atentos à necessidade de ter pessoas com as competências e perfis
adequados para lidar com esses desafios.
José Lima de Andrade Neto - sócio Odgers Berndtson Brasil - é formado em engenharia química e atuou na
Petrobrás por mais de 30 anos, onde exerceu diversos cargos, inclusive na área
de recursos humanos e chegando à presidência da BR Distribuidora. Na Odgers
Berndtson Brasil vai se dedicar a prática de Óleo e Gás, área onde é
especialista e ficará sediado no Rio de Janeiro, além de atender clientes de
outros segmentos nesta praça.
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