Em testes com animais, vacina experimental contra o
ebola baseada em plataforma desenvolvida por farmacêutica americana em parceria
com pesquisadores brasileiros conferiu imunidade contra o vírus hemorrágico com
uma única dose (imagem: Wikimedia Commons)
Estratégia usada para desenvolver uma candidata à vacina contra o ebola,
elaborada pela farmacêutica americana Flow Pharma em parceria com pesquisadores
brasileiros, pode orientar a criação de um imunizante contra o novo coronavírus
SARS-CoV-2, causador da COVID-19.
Em testes com camundongos, a vacina experimental contra o ebola
demonstrou ser capaz de conferir, com uma única dose, imunidade contra o vírus
hemorrágico que se propagou na África Ocidental entre 2013 e 2016.
Os resultados dos testes do imunizante em modelo animal foram descritos
em um artigo publicado no final de fevereiro no bioRxiv – um repositório
de acesso aberto de artigos em fase de pré-print na área de ciências
biológicas.
“Uma abordagem semelhante à usada para desenvolver essa vacina contra o
ebola pode ser possível de ser aplicada contra o novo coronavírus”, disse à Agência
FAPESP Edécio Cunha Neto,
professor do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores da plataforma.
O projeto também tem a participação de Daniela Santoro Rosa,
professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“Daniela e eu somos autores da busca da sequência para a vacina contra o
ebola”, contou Cunha Neto, um dos pesquisadores principais do Instituto de Investigação em
Imunologia – um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia
(INCTs) financiados pela FAPESP no Estado de São Paulo.
A vacina contra o ebola é composta por fragmentos de proteínas
(peptídeos) do vírus – capazes de estimular o sistema imune e de induzir uma
resposta potencialmente protetora – encapsulados em partículas micrométricas.
Para mapear regiões da estrutura do vírus ebola mais promissoras para
identificação desses peptídeos capazes de serem usados como antígenos para o
desenvolvimento da vacina, os pesquisadores usaram algoritmos computacionais.
Um dos critérios que estabeleceram para os algoritmos localizarem essas
potenciais regiões na estrutura do vírus é que tinham de ser muito conservadas,
ou seja, não poderiam variar muito de um isolado viral para outro. Isso garante
que a vacina será eficaz mesmo contra variantes do patógeno.
Outro critério é que as regiões escolhidas sejam capazes de serem
reconhecidas pelo sistema imune da maioria das pessoas.
“Esse critério é muito importante porque garante a cobertura ampla da
vacina, uma vez que essas regiões do genoma viral mudariam muito pouco de um
microrganismo que circula em um determinado local em relação ao que está aparecendo
em outro, e o sistema imune dos pacientes induzirá resposta contra a vacina”,
explicou Cunha Neto.
Os potenciais peptídeos localizados em regiões mais conservadas do vírus
foram testados em células de 30 pacientes sobreviventes do surto do ebola no
Zaire, entre 2013 e 2016.
As análises indicaram que células do sistema imune, chamadas linfócitos
T CD8+, de 26 desses 30 pacientes sobreviventes ao ebola responderam a uma
proteína denominada NP44-52.
Com base nessa constatação, foi fabricada uma vacina experimental com a
NP44-52 encapsulada em microesferas, na forma de um pó seco, estável à
temperatura ambiente e biodegradável.
A vacina experimental foi inoculada em camundongos geneticamente
modificados (C57BL/6), usados como modelo de doenças humanas.
Os resultados do estudo indicaram que a vacina produziu uma resposta
imune protetora nos animais 14 dias após uma única administração.
“A plataforma que desenvolvemos possibilita a fabricação e a implantação
rápida de uma vacina de peptídeo para responder a uma nova ameaça viral”,
afirmam os autores no artigo.
Vacina contra a COVID-19
Na avaliação dos autores do estudo, a mesma abordagem poderia ser
aplicada à COVID-19, uma vez que o vírus também possui regiões conservadas e é
possível identificar peptídeos potenciais para o desenvolvimento de uma
candidata à vacina.
“Se agirmos agora, durante a pandemia de COVID-19, talvez seja possível
coletar e analisar amostras de sangue e criar rapidamente um banco de dados de
peptídeos ideais para inclusão em uma vacina com cobertura potencialmente
ampla, com desenvolvimento e fabricação rápidas”, afirmam.
Cunha Neto também trabalha em outra estratégia de vacina contra a
COVID-19, desenvolvida no
Laboratório de Imunologia do Incor, com apoio da FAPESP.
“A ideia de usar a mesma estratégia da candidata à vacina do ebola para
desenvolver um imunizante contra a COVID-19 é da farmacêutica americana, com
quem continuamos a colaborar em outros projetos. A estratégia da vacina que
estamos nos baseando aqui, no Brasil, é um pouco diferente”, disse.
O pesquisador e algumas das maiores autoridades mundiais em vacina, como
Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas
dos Estados Unidos (NIAID, na sigla em inglês), têm ponderado, contudo, que o
desenvolvimento de uma candidata à vacina contra a COVID-19 deve demorar de um
ano a um ano e meio.
Esse tempo é necessário para a realização de todas as fases de testes,
inicialmente em animais e depois em humanos, a fim de assegurar a segurança e a
eficácia do imunizante, ressaltam os especialistas.
O artigo An effective CTL peptide vaccine for ebola Zaire based on
survivors’ CD8+ targeting of a particular nucleocapsid protein epitope with
potential implications for Covid-19 vaccine design,
(doi.org/10.1101/2020.02.25.963546), de CV Herst, S Burkholz, J Sidney, A
Sette, PE Harris, S Massey, T Brasel, E Cunha Neto, DS Rosa, WCH Chao, R
Carback, T Hodge, L Wang, S Ciotlos, P Lloyd e R Rubsamen, pode ser lido no bioRxiv
em www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.02.25.963546v2.abstract.
E o artigo Coronavirus infections – more than just the common cold
(10.1001/jama.2020.0757), de Catharine I. Paules, Hilary D. Marston e Anthony
S. Fauci, pode ser lido no Journal of the American Medical Association
(JAMA) em jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2759815.
Elton Alisson
Agência FAPESP
http://agencia.fapesp.br/estrategia-usada-em-vacina-contra-o-ebola-pode-ser-aplicada-para-o-novo-coronavirus/32802/
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