A discussão no
Congresso Nacional sobre a Medida Provisória (MP) nº 881/2019, conhecida como
“MP da Liberdade Econômica” e criada pelo governo com o objetivo de regular o
exercício da atividade econômica no país, foi cercada de polêmicas. Entre as
mudanças, estava a liberação irrestrita do trabalho aos domingos e feriados
para todos os setores econômicos do país. Contudo, após cinco meses de
tramitação no Congresso Nacional para a medida ser aprovada, o Senado retirou
esse ponto da MP.
Especialistas em
Direito do Trabalho garantem que as regras atuais sobre o tema não mudaram e
que a Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dispõem
que o descanso semanal remunerado deve ser, preferencialmente, aos domingos.
Além disso, uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que é um
entendimento consolidado da Justiça trabalhista, definiu que o trabalho aos
domingos e feriados “se não for compensado em algum outro dia da semana, deve
ser pago em dobro”.
A discussão sobre
a liberação do trabalho aos domingos e feriados no Brasil é antiga. O Decreto
n°. 27.048, de 1949, já concedia a permissão para 76 atividades dos setores da
indústria; comércio; transportes; comunicações e publicidade; educação e
cultura; serviços funerários; e agricultura e pecuária. Já no ano de 1966, a
Portaria 417 do antigo Ministério do Trabalho e Previdência Social estabeleceu
que são necessárias escalas de revezamento, de modo que haja um domingo de
folga a cada sete semanas de trabalho, com exceção do caso dos comerciários, no
qual o intervalo é de três semanas.
No último mês de
junho, o Ministério da Economia publicou a Portaria nº 604/2019 que concedeu a
autorização para trabalhar aos domingos e feriados a mais seis atividades:
indústrias de extração de óleos vegetais e de biodiesel; indústrias do vinho e
de derivados de uva; indústrias aeroespaciais; comércio em geral;
estabelecimentos destinados ao turismo em geral e serviços de manutenção
aeroespacial.
A mudança proposta
na MP da Liberdade Econômica ampliava a possibilidade ao empregado de qualquer
atividade econômica de trabalhar em três domingos e folgar um. A CLT,
atualmente, determina que todo trabalhador tem direito a 24 horas consecutivas
de descanso semanal preferencialmente, mas não somente, aos domingos. E a
Constituição Federal garante o repouso semanal remunerado, preferencialmente
aos domingos, aos trabalhadores urbanos e rurais, em seu artigo 7º, inciso XV.
“Vale reforçar que
uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho entende que o trabalho prestado em
domingos e feriados, quando não compensado, deve ser pago em dobro, sem
prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal, inclusive quanto às horas
extras”, explica Pedro Mahin, especialista em Direito do Trabalho e sócio do
escritório Mauro Menezes & Advogados, citando a jurisprudência
existente.
A Lei 13.467, que
promoveu alterações na CLT em 2017, ainda ofereceu uma alternativa ao pagamento
em dobro com a determinação de que os acordos trabalhistas podem prevalecer
sobre a lei. “Com a reforma trabalhista, essa regra mudou e a negociação
atualmente pode ser feita com banco de horas”, explica Lariane Del-Vecchio,
advogado especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e
Luchin Advogados.
Flexibilização
versus necessidade
Conforme
especialistas, o debate em torno do trabalho aos domingos e feriados é
controverso, dividido entre o risco de reduzir direitos dos trabalhadores e a
necessidade econômica. “O tema efetivamente deve ser tratado com cautela pelo
governo, em virtude das consequências que a flexibilização da prestação aos
serviços em domingos e feriados pode causar”, analisa Felipe Rebelo,
advogado de Direito do Trabalho do escritório Baraldi Mélega Advogados.
Segundo Rebelo, a
liberação tem como premissa o interesse público ou a imperiosidade na prestação
contínua dos serviços. Por outro lado, o descanso de empregados aos domingos e
feriados é vital para a preservação de sua higidez física e mental, além de
assegurar o convívio no seio familiar. “A flexibilização irrestrita poderia,
por exemplo, aumentar o índice de síndromes decorrentes da sobrecarga de
trabalho, o que inclusive onera os cofres da própria Previdência Social.
Trata-se de uma matéria controvertida em que ambas as partes têm fundamentos
sólidos e consistentes”, pondera.
Lariane
Del-Vecchio cita o argumento do governo no momento da publicação da portaria
que ampliou o número de atividades pela necessidade fomentar a economia e criar
mais postos de trabalhos diante do aumento da jornada. “O Secretário da
Previdência Social e do Trabalho, Rogério Marinho, fundamentou a decisão de
ampliar as atividades que têm permissão permanente para o trabalho. Foi a mesma
fundamentação do presidente Michel Temer em 2017, quando reconheceu os
supermercados como atividade essencial liberando o trabalho aos domingos e
feriados”, relembra.
A especialista
em Direito do Trabalho do escritório Stuchi Advogados Joelma Elias dos
Santos vê com cautela as justificativas do governo. “As argumentações de
que haverá geração de novos postos de trabalho e uma melhora na economia só
serão confirmadas no longo prazo. Muitas das alterações feitas com a reforma
trabalhista tiveram este mesmo fundamento; porém, até o momento, não foi
verificada nenhuma alteração significativa na economia e na geração de emprego.
O trabalhador é a maior vítima dos problemas da crise econômica atual”,
defende.
Conforme Felipe
Rebelo, a discussão ainda não está acabada, pois é possível que a
flexibilização irrestrita do trabalho aos domingos e feriados ainda seja
colocada novamente por meio de nova portaria do governo ou a partir de Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal.
Entretanto, a
tentativa pode esbarrar na Constituição, segundo o advogado trabalhista. “O
repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos, é uma garantia
constitucional dos trabalhadores urbanos e rurais, prevista no bojo do artigo
7º, inciso XV, da Constituição Federal”, destaca.
Outra
possibilidade hoje, conforme Lariane Del-Vecchio, é de que os setores ainda
busquem autorizações apenas para si. “Hoje, qualquer setor pode obter uma
autorização específica e transitória, por meio de um acordo coletivo de
trabalho específico, firmado junto ao sindicato dos empregados conforme
portaria ainda vigente do antigo Ministério do Trabalho, Nº 945/2015. Os
municípios têm competência legislativa para tratar de assuntos de interesse
local, ou seja, podem legislar sobre a fixação de horários de funcionamento de
estabelecimentos comerciais”, explica a advogada.
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