Leboyer já questionava a experiência do nascimento em seu primeiro livro, “Pour une naissance sans violence” (em edição brasileira, 1974, “Nascer Sorrindo”), ficou conhecido pelo parto Leboyer. Em contato com essa obra original, e a partir de nossa convivência pessoal, comecei a me perguntar por que o parto se afastara tanto da natureza, tornando-se “medicalizado”, perdendo aquele clima condizente com o extraordinário momento.
Assim, como obstetra, passei a alterar radicalmente o ritual do nascimento, mesmo no caso de uma cesariana indispensável, acolhendo o recém-nascido com gestos simples, inocentes, com carinho, dedicação, sem angústia e sem pressa. Fui o primeiro a adotar tais práticas no Brasil, enfrentando, na época (anos 1970), muitas críticas e preconceito. Com intensa satisfação, vejo, portanto, a disseminação das ideias de parto humanizado nos dias de hoje.
A campanha do Ministério da Saúde de 2016 na Semana de Aleitamento Materno traz o alerta “Amamentar faz bem à saúde da mãe, do bebê e também do planeta”, a iniciativa tem como objetivo ressaltar a importância do aleitamento materno, bem como chamar atenção das pessoas sobre as metas de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Na minha prática ao longo dos anos, sempre observei, deslumbrado, a paz e o prazer que experimentavam os bebês, tanto ao contatar o corpo da mãe, quanto ao lamber ou sugar seus mamilos, já nos primeiros minutos de sua vida extrauterina.
Hoje se sabe, com base em pesquisas científicas, que o colostro, líquido viscoso amarelo-dourado que o bebê poderá receber já nesses instantes é 20 vezes mais rico em anticorpos do que o soro da mãe (por exemplo, gamaglobulina) e propicia ao recém-nascido uma imunidade passiva, que durará seis meses, momento a partir do qual ele já estará apto a produzir seus próprios anticorpos.
O colostro é também a única substância capaz de eliminar todos os resíduos de mecônio do trato gastrintestinal do bebê, além de prevenir o aparecimento de alergias, infecções e diarréia, pelo adequado controle e equilíbrio das bactérias que se desenvolvem no seu intestino.
No dia do parto o colostro se apresenta ainda mais rico, daí as primeiras horas de vida serem chamadas por especialistas de “golden hours”. Segundo o Unicef, a amamentação na primeira hora pode evitar a morte de um número significativo de crianças em países em desenvolvimento, já que mais de um terço da mortalidade infantil ocorre durante o primeiro mês de vida (vale lembrar que ainda morrem quase 10 milhões de crianças com menos de 5 anos no mundo todos os anos).
Além de contribuir para salvar a vida do bebê, o aleitamento materno na primeira hora ajuda a mulher a ter leite mais rapidamente, e auxilia nas contrações uterinas, diminuindo o risco de hemorragia. Para a mãe, manipular e cuidar do bebê e oferecer a pele e o seio logo após o nascimento, depois de todo o desgaste do trabalho de parto, além da intensa gratificação emocional, faz desencadear no seu organismo amplo processo fisiológico que inclui a liberação de endorfina, ocitocina e prolactina.
Essas substâncias promovem, pela ordem, sensação de bem-estar, contração uterina e aumento de atividade das glândulas mamárias. As endorfinas levam à intensificação do sentimento maternal, daí serem chamadas de hormônios do amor pelo francês Michel Odent, autor de “Birth Reborn”, outro “revolucionário” do parto cuja obra é inspiradora.
A ocitocina contribui ainda para a expulsão fisiológica da placenta e para o controle do sangramento uterino, e a prolactina conduz à produção e à liberação inicial da verdadeira “vacina” que é o colostro. O leite materno é o único alimento capaz de oferecer todos os nutrientes na quantidade exata de que o bebê precisa para seu crescimento e desenvolvimento.
A amamentação também garante ao bebê proteção contra diarreia, alergias e outras doenças, como já disse, e à mãe, menos chances de desenvolver anemia, câncer de mama e de ovário, diabetes e depressão pós-parto. A Unicef estima que o aleitamento exclusivo até os seis meses poderia evitar, por ano, a morte de mais de 1 milhão de crianças menores de 5 anos.
Mas, ao enfatizar a importância da amamentação exclusiva nos primeiros meses, que é alvo de intensa campanha por parte do Ministério da Saúde, não podemos deixar de lembrar a dificuldade que algumas mulheres encontram para alcançar tal objetivo. Os motivos são vários: doenças, condições socioeconômicas, horários de trabalho inflexíveis, dificuldades emocionais, entre outros. A essas barreiras podemos acrescentar a angústia de não conseguir amamentar na primeira hora.
A essas mães posso dizer que a mesma ciência que hoje compreende a importância de se recuperar a naturalidade do parto desenvolveu recursos que podem ser usados por médicos obstetras e pediatras para contornar esses problemas.
Para além do leite, é fundamental que ao bebê seja dada a possibilidade de uma adaptação paulatina, suave, às suas novas condições. Pois é o novo que assusta, assim como vai ocorrer ao longo de toda a vida.
Para Leboyer, o pequeno ser, que já vem do útero estruturado sensitiva, afetiva e organicamente, ao experimentar um nascimento humanizado desenvolverá condições psicológicas para enfrentar as grandes mudanças e transformações da existência. Serão crianças e adultos sem medo, com mais autonomia e segurança.
Às mães não cabe a culpa por não conseguir amamentar o quanto seria desejável, mas exigir informação e condições para que o parto seja de fato um momento seu e do seu filho. Além da nutrição da primeira hora, o bebê quer ser tocado, abraçado, sentir bem-recebido. Desses primeiros momentos ele vai extrair o alimento para a sua autoestima futura e para o seu desenvolvimento saudável.
Cláudio Basbaum - médico com especialização na Universidade de Paris-França. Professor-Doutor em Ginecologia e Obstetrícia, pioneiro da laparoscopia no Brasil (1967), Introdutor do Parto Leboyer ("Nascimento sem violência") e da técnica "Shantala" (Massagem para bebês) no Brasil e defensor de técnicas menos agressivas à mulher e ao bebê.
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