Não chega a ser novidade. A mudança
vem acontecendo de modo gradual. Parcela crescente dos brasileiros que um dia
confiaram seus votos à esquerda foi mudando de opinião e essa mudança acabou na
grande reviravolta da cena política em outubro de 2018. Há quem morra de
saudades.
Vale a pena lembrar, muito
especialmente a alguns setores da mídia tradicional (estou falando, entre
outros, da Folha de São Paulo, Estadão,
Zero Hora, O Globo e demais veículos do seu grupo) certos fatos
relacionados àquela eleição. O candidato escolhido pelos partidos que
tradicionalmente formavam a maioria do Centrão era Geraldo Alckmin. As nove
siglas que se coligaram para elegê-lo compunham mais da metade das cadeiras na
Câmara dos Deputados. Contudo, a coligação em torno do tucano acabou obtendo
menos de 5% dos votos. Foi um claro abandono do comandante da nau tucana por
seus marujos, que majoritariamente se transladaram para o barquinho de
Bolsonaro.
A jogada valeu para assegurar o
mandato de muitos. Diploma pendurado na parede é garantia da autonomia e
permite a segunda traição. Em três meses
os ex-marujos de Alckmin e parceiros de Bolsonaro recompuseram o Centrão e já
começavam a reabrir a firma quando a opinião pública reagiu nas redes sociais.
Imediatamente deram um passo atrás. Em tom de mágoa, afirmaram tratar-se de um
mal entendido. Estavam todos cumprindo seus deveres constitucionais.
Nenhuma das três coisas surpreende.
Nem a traição a Alckmin, nem a traição a Bolsonaro, nem a completa traição à
verdade contida na afirmação de estarem cumprindo seu dever. Esta última
situação só acontece nas raras ocasiões em que o interesse próprio coincide com
as exigências do interesse nacional. O
que realmente surpreende é a defesa que os veículos de comunicação acima mencionados passaram a fazer do
Centrão, confundido-o com o Congresso Nacional, buscando torná-lo imune a toda crítica, numa atitude tipicamente
bipolar. Num momento transformam a crítica numa conduta revolucionária, autoritária,
capaz de acabar com a democracia; noutro, reduzem a gigantesca mobilização
social do dia 26, de apoio ao governo e suas reformas, a Sérgio Moro e a Paulo
Guedes, às proporções de um comício na esquina do bar do Zé.
Nunca na minha vida percebi esses
mesmos veículos interessados em preservar a boa imagem do Congresso Nacional.
Subitamente, aparecem tomados de um amor fiel e protetor. Não admitem que se
olhe atravessado para seus amados. Dizem estar protegendo as instituições. Na
mesma linha, comparam a um flerte com o autoritarismo, qualquer crítica a
ministros do STF, bem crescidinhos, alias, para se defenderem sozinhos.
Na lógica desse nada admirável mundo
velho, as coisas ficam assim:
{C}·
é proibido criticar o Poder Legislativo;
{C}·
é proibido criticar o Poder Judiciário;
{C}·
das fake news às patadas retóricas, estão liberadas as críticas ao Poder
Executivo;
{C}·
é proibido criticar a orientação de tais veículos. Quem o fizer será
acusado de ser inimigo da liberdade de opinião porque essa é uma das opiniões
sem liberdade de expressão.
O fato, porém, é que o nada
admirável mundo velho já era.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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