Entrou
em vigor no último dia 1º de maio o Novo Código de Ética Médica. O novo texto
deveria ser um manual para uma nova era para os profissionais da Medicina, em
tempos de grande transformação social com a revolução digital. O desafio é
adaptar-se ao novo sem perder de vista o juramento hipocrático. Definir limites
de atuação para os médicos, a partir da realidade das mídias sociais e dos
avanços tecnológicos sem esbarrar no excesso.
Ainda
assim, as mudanças apresentadas pelo texto publicado em 2018 são sutis. Não se
pode dizer que o Código representa um grande avanço quanto aos deveres e
direitos dos médicos e suas relações com colegas, pacientes e instituições.
Muitos
entendem que não poderia ser de outra forma, visto que o pensamento ético segue
reafirmando os princípios bioéticos da beneficência e da não maleficência.
Então, por que rever os princípios já estabelecidos nos códigos anteriores?
Reafirmar
o já existente é uma forma também de chamar atenção da classe e da sociedade
para questões fundamentais. Por exemplo, o paciente precisa saber que tem
direito a um Sumário de Alta, com suas informações acerca do atendimento que
lhe foi ministrado. De outro lado, o médico deve saber que pode entregar cópia
do prontuário mediante requisição do magistrado, sem qualquer receio de ferir o
sigilo profissional (para aqueles que ainda resistiam eticamente).
De
substancial, a nova redação ratifica que o médico deve, sim, utilizar os avanços
tecnológicos desde que disponíveis. O médico não pode ser responsabilizado por
não haver, por exemplo, um equipamento de ponta no seu local de trabalho e, em
razão disso, deixar de aplicar o melhor tratamento para determinado paciente.
Nesse
aspecto, faz-se importante ressaltar, aliás, que todos são iguais perante a lei
e que a Constituição garante o acesso à saúde a todos, mas que o Brasil, por
suas desigualdades sociais, promove a existência de duas Medicinas: a dos que
têm dinheiro e aqueles que não podem pagar atendimentos particulares ou planos
de saúde.
Portanto,
o texto do Código acerta em dizer ao médico: faça o que está a seu alcance. Não
poderia ser diferente. Não obstante, estando o médico diante de condições
precárias para atendimento, ele deverá comunicar o Diretor Técnico da
instituição de saúde e, quiçá, recusar-se a exercer seu ofício diante da falta
de condições mínimas.
Nesse
ponto surgiu uma pequena alteração, ao se incluir o Diretor Clínico como
competente para receber a reclamação do médico, além da Comissão de Ética do
Hospital e o próprio CRM, já previstos no Código anterior.
No
que se refere à alteração aguardada por muitos acerca da possibilidade de
atendimento do paciente à distância (Telemedicina), porém, não houve inovação.
Também sobre o uso de mídias sociais pelos médicos, assunto importante para a
classe me tempos em que “ser visto é ser lembrado”, a regulamentação será por
meio de resoluções específicas, o que valerá também para a oferta de serviços
médicos a distância mediados por tecnologia.
Uma
inovação significativa: a inclusão do médico com deficiência,
possibilitando-lhe o exercício da profissão, no limite de suas possibilidades
sem colocar em risco a segurança dos pacientes, é louvável, mas talvez não
precisasse ser um dispositivo do Código de Ética. O fato é que há certas
deficiências e doenças que impedem o médico de exercer seu ofício: como poderia
um deficiente visual ser um cirurgião? Mas, o que o impediria de ser um
psiquiatra?
De
outro lado, se o médico é paraplégico e necessita estar em uma cadeira de
rodas, o local de seu trabalho precisará ser adaptado às suas necessidades.
Quantos profissionais médicos deficientes estão inscritos nos CRMS e quais as
condições de trabalho que possuem nas instituições? Não há esses números.
Entretanto, apenas com esses dados seria possível avaliar o impacto da inclusão
desse dispositivo.
O
texto literal apresenta-se no Capítulo 2, DIREITOS DOS MÉDICOS, inciso XI: “É direito do médico com deficiência ou com
doença, nos limites de suas capacidades e da segurança dos pacientes, exercer a
profissão sem ser discriminado”.
Interessante
notar um acréscimo no que se refere à relação entre os profissionais. Estariam
os médicos menos respeitosos entre si, a ponto de os revisores do texto do
Código entenderem como um “direito humano” a civilidade entre colegas? Assim
preconiza o parágrafo único do Art. 23: “O
médico deve ter para com seus colegas respeito, consideração e solidariedade.”
Em
linhas gerais, portanto, não se pode dizer que um novo comportamento ético
esteja sendo exigido dos médicos. Ou seja, os princípios que orientam o
comportamento médico em sociedade permanecem essencialmente os mesmos e assim
sempre será, com pequenas adaptações semânticas apenas. Vale citar Nietzsche:
“Não há realidades eternas nem verdades absolutas”. E a Medicina sabe disso.
Sandra Franco - consultora jurídica especializada em
direito médico e da saúde. Doutoranda em saúde pública. Ex-presidente da
Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP),
presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde e membro do
Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Unesp/SJC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário