País está em 2º
lugar no ranking mundial de casos identificados; incapacitações pela doença
estão também em 2º lugar no INSS, gerando um gasto de R$ 7,3 milhões mensais
O Brasil está em segundo lugar global no ranking de
casos de hanseníase por ano – são cerca de 25 mil, conforme o Ministério da
Saúde, atrás apenas da Índia. No mundo, a média é de 2,9 casos por 100 mil
habitantes, enquanto no Brasil a taxa é de 12,2/100 mil. Embora a doença ainda
esteja cercada de preconceitos, a hanseníase pode ter cura sem sequelas e sem
expor outros ao risco. “Somente 8% dos casos evoluem com sequelas incompatíveis
com o trabalho, como é o caso da mão em garra, quando os indivíduos não
conseguem segurar um copo, girar uma maçaneta ou manusear talheres”, explica a
dermatologista e hansenologista Dra Laila de Laguiche, membro da Sociedade
Brasileira de Hansenologia (SBH).
Segundo o último Boletim Epidemiológico da
Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em agosto deste ano, em 2017
foram registrados 210.671 mil novos casos de hanseníase no mundo. O Brasil se
enquadra no terceiro país com mais casos da doença (26 875), atrás somente da
Índia e Indonésia. A falta de informações sobre a doença, aliada à dificuldade
em compreendê-la e diagnosticá-la, pode fazer com que os portadores adicionem
um peso na previdência do Brasil, além de sofrerem as consequências em sua
qualidade de vida. Até junho de 2018, o país acumulava um déficit de R$ 90,8
bilhões nas contas previdenciárias. Somente em junho, o déficit entre arrecadação
e a quantia paga em benefícios foi de R$ 14,5 bilhões, conforme o Boletim
Estatístico da Previdência Social.
Apesar de ser um número pequeno dentro dos valores
do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a hanseníase é uma das
enfermidades que concede aposentadorias e benefícios mensais aos portadores do
bacilo. As indenizações são pagas pelas chamadas “legislações específicas”, que
representam o equivalente a 19,4 mil benefícios, com R$ 36,3 milhões pagos em
junho de 2018. Dentro desse grupo, os portadores de hanseníase alcançam 5,7 mil
benefícios – 29% do total –, atingindo R$ 7,3 milhões mensais (20% do total de
recursos). O valor médio das indenizações é de R$ 1.279.
No entanto, nem todo portador deveria ser
considerado incapaz, exceto em casos de incapacitação. “Paciente tratado é
paciente curado, pois não transmite mais o bacilo. Porém, a hanseníase não
confere ao ex-doente a imunidade, que pode ser infectado novamente a qualquer
momento. Assim como em uma gripe, podemos nos curar, mas não ficamos imunes ao
vírus”, esclarece a especialista. Um dos caminhos para reduzir os impactos da
doença é melhorar o diagnóstico, impedindo que a hanseníase avance ao ponto de
o trabalhador ser considerado incapacitado, e possibilitando um tratamento
adequado antes que o portador transmita a doença a pessoas de sua convivência.
A importância da prevenção
Embora a OMS tenha registrado uma redução
abrangente dos casos da doença no mundo, saindo de mais de cinco milhões de
casos para 500 mil entre 1985 e 2005, a hanseníase enfrenta dificuldades para
ser diagnosticada e, por esse motivo, ainda pode gerar subnotificação.
“Estima-se que haja cerca de quatro a cinco vezes mais doentes do que
notificações no Brasil”, diz Dra Laila. De acordo com ela, se houvesse melhoria
neste aspecto, poderia ser evitado muitas pessoas declaradas incapacitadas pela
doença e poderia garantir uma vida normal.
Como a doença afeta os nervos periféricos e da
pele, é preciso realizar uma série de exames: biópsia da pele (no qual é
possível identificar a presença do bacilo); análises de PCR capazes de detectar
o DNA da bactéria na pele; e medição dos anticorpos circulantes no sangue do
doente. “Muitas vezes, o diagnóstico é tardio. O bacilo se aloja dentro dos
nervos e demora a atingir o sangue periférico”, diz Dra Laila, ressaltando que
a avaliação clínica precisa ser integrada aos exames complementares para se
obter um diagnóstico precoce.
A própria SBH lançou uma carta, em novembro de
2017, alertando sobre a questão. “Vários problemas se apresentam neste cenário:
médicos despreparados para o diagnóstico, profissionais da atenção básica sem
treinamento adequado, universidades que formam médicos, enfermeiros, terapeutas
ocupacionais, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde sem o preparo
necessário para lidar com esta doença”, diz o manifesto. No documento, a SBH
ainda fala sobre a falta de interesse em pesquisas conduzidas pelo governo
sobre o assunto, assim como o desconhecimento da sociedade sobre a doença, o que
causa as subnotificações e o avanço da enfermidade.
Outro problema diz respeito à suposta “eliminação”
da hanseníase dos problemas de saúde pública. De acordo com a SBH, quando uma
doença é considerada inexistente, a vigilância sobre o assunto se perde, as
referências são desmontadas e o Sistema de Saúde passa a não enxergar mais os
doentes.
“No Brasil, o Rio Grande do Sul ‘eliminou’ a hanseníase. Hoje, o
estado tem um número pequeno de casos registrados, mas apresenta o maior
percentual brasileiro de pessoas com incapacidade física – doentes que convivem
com a hanseníase há anos e recebem o diagnóstico depois que as sequelas estão
avançadas”, diz o presidente da SBH, Claudio Salgado.
A hanseníase
Trata-se de uma doença bacteriana, causada pelo
bacilo de Hansen, que infecta o ser humano por meio das vias respiratórias,
afetando sobretudo a pele e os nervos periféricos. A doença atinge outros
órgãos somente em casos raros.
Quando não tratada, a hanseníase pode levar à
cegueira e incapacitações de membros superiores e inferiores, pois o paciente
perde a sensibilidade, facilitando a ocorrência de traumas e lesões
repetitivas. Entretanto, estima-se que 90% dos humanos tenham a chamada
imunidade nata à doença: em outras palavras, não vão jamais manifestar a hanseníase.
O tratamento é feito com antibióticos – uma mistura
de três drogas por, no mínimo, seis meses, podendo chegar a alguns anos,
dependendo da forma da doença. Após o tratamento, contudo, o paciente não pode
infectar outras pessoas, embora sempre esteja sujeito à reinfecção.
O período de incubação varia de dois a sete anos e,
entre os fatores que influenciam, está o baixo nível socioeconômico, a
desnutrição e a superpopulação doméstica. Por esse motivo, países
subdesenvolvidos contam com maior incidência da enfermidade. Devido ao tempo de
incubação, a manifestação da doença e o diagnóstico são difíceis de serem
obtidos. "Se não houver um diagnóstico precoce, o paciente pode ser
portador da doença por muitos anos e transmitir às pessoas de seu convívio, mesmo
que sem manifestar nenhum sintoma", alerta Dra Laila.
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