Recentemente
li uma matéria no Jornal Valor Econômico, de 11 de setembro de 2017, que me
deixou muito intrigado. Na verdade, perplexo. Com argumentação aparentemente
científica e procedente de dados oficiais apresentava a seguinte afirmação:
“Reforma deve aprofundar fosso salarial de não sindicalizado”.
O texto era contundente: “As novas regras trabalhistas devem
aprofundar a diferença salarial entre trabalhadores sindicalizados e não
sindicalizados, na visão do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)”,
na medida em que segundo estudo coordenado pelo instituto, “sindicalizados
ganham 33,5%, na média, mais que os não sindicalizados”.
A pergunta que se faz é: como assim?
Se isso, de fato, fosse uma realidade seria a “materialização
jurídica da inconstitucionalidade”. Não é possível esse tipo de discriminação.
Ainda que eventualmente alguém possa considerá-la positiva. Um trabalhador
sindicalizado não pode – somente por essa condição – ganhar mais ou ter
qualquer outro benefício sobre um trabalhador que não pertença associativamente
a um sindicato.
Aliás, a Constituição Federal é taxativa neste sentido. No seu
artigo 8º (inciso V) ela é enfática: “ ninguém será obrigado a filiar-se
ou a manter-se filiado a sindicato”. Logo, essa condição não é meio para se
obter qualquer benesse institucional.
Mais ainda: TODOS, repita-se, TODOS os instrumentos coletivos
(acordos ou convenções coletivas de trabalho), únicos contratos coletivos
firmados pelos sindicatos, que trazem direitos (além daqueles previstos em lei)
aos trabalhadores pertencentes a uma determinada categoria que o sindicato
representa, não fazem (juridicamente estão proibidos de fazê-lo) quaisquer
distinções e/ou irradiações diferenciadas entre os direitos ali previstos para
trabalhadores sindicalizados ou não. Não há diferença!
De onde vem, então, os dados previstos na matéria dizendo que essa
diferenciação existe? Que, por exemplo, “os trabalhadores não sindicalizados
ganhavam, em média, R$ 1,675,68, os associados a sindicatos ganhavam R$
2,237,86”? ou, então, que “36% dos sindicalizados recebem auxílio-saúde, contra
20,3% dos não sindicalizados”? Que “63,9% dos trabalhadores sindicalizados têm
acesso ao auxílio-alimentação, ante 49,3% dos não sindicalizados”? Difícil
saber. Jurídica e estatisticamente.
Isso, com todas as vênias necessárias, não existe. Pelo mesmo,
juridicamente é impossível. É inconstitucional. Revela-se, pois, como mais uma
“pós-verdade”.
Que os sindicatos têm um papel importantíssimo na defesa dos
trabalhadores ninguém contesta, aliás, eles têm essa função/obrigação
constitucional por força da Constituição Federal, que prevê que lhes cabe a
defesa dos interesses individuais e/ou coletivos de todos (sem exceção) os
trabalhadores da categoria-; que com a reforma trabalhista eles terão mais
força política e institucional, igualmente não se tem dúvidas. Mais ainda: por
certo, todos sabem, a associação de trabalhadores aumenta ainda mais esse vigor
representativo. Agora, disso se concluir que quem não é associado perderá com a
reforma Trabalhista há uma distância muito grande. Além de simplesmente não ser
verdade sobre a ótica legal.
Os sindicalizados atualmente, e somente por esse motivo, já têm
mais direitos do que os demais. Se não têm, como podem perdê-los? Como perder
alguma coisa que não se tem? Não há o mínimo fundamento técnico-jurídico e
mesmo científico para essa despropositada afirmação, na medida em que não
existe suporte legal para sustento de assertiva como esta.
É importante, na verdade, democraticamente imprescindível, que
todos os posicionamentos (pós e contra) à reforma trabalhista sejam
exteriorizados neste momento de profundas mudanças. Podem e devem, por certo,
ser embasados em crenças ideológicas e posicionamentos políticos. Tudo isso faz
parte do jogo democrático.
Todavia, dizer que determinada apuração em estudos científicos e
estatísticos com base em dados que são na origem ilícitos, por ausência de
possibilidade jurídica de materialização, não é legal nos dois sentidos:
jurídico e democrático. Não dá para utilizar pesquisas da mesma maneira que um
bêbado utiliza um poste: mais pelo apoio do que pela iluminação.
Antonio Carlos Aguiar - doutor e mestre
em Direito do Trabalho pela PUC-SP, diretor do Instituto Mundo do Trabalho (IMT),
professor da Fundação Santo André e da PUC-SP e autor dos livros “Unicidade
Sindical no Brasil – Mito ou Realidade?” e “Negociação Coletiva do Trabalho”.
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