A Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, a Angaad, contribui para que a Adoção de crianças mais velhas e adolescentes seja mais significativa no país
Na complexa tapeçaria da Adoção, em que histórias de vidas se entrelaçam em busca de novas uniões familiares, o conceito de Adoção tardia emerge como uma temática desafiadora, revelando preconceitos e necessidades que clamam por atenção.
No Brasil, cerca de 5 mil crianças e adolescentes estão em situação de acolhimento institucional ou familiar atualmente. Entretanto, há uma significativa disparidade em relação à faixa etária deles, pois mais de 77% desse total equivalem às crianças acima de 8 anos de idade e aos adolescentes, de acordo com os dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
De outro lado, mais de 35 mil pessoas e/ou casais estão habilitados, à espera de seus filhos adotivos. Entre os caminhos deles, há uma certa resistência ao que é comumente chamado de Adoção tardia. “Ainda existe uma crença de que crianças mais novas vêm como uma ‘folha em branco’, como pessoas ainda livres de vícios de personalidade, que poderão ser moldadas desde o início pelos pais”, aponta Jussara Marra, presidente da Angaad (Associação Brasileira de Grupos de Apoio à Adoção).
Isso reflete um cenário composto por um grande estigma acerca do que a criança ou o adolescente viveu antes de ser encaminhado para a Adoção, seja em sua família de origem, seja no acolhimento.
Evolução do conceito
O conceito de Adoção tardia não é fixo, passa por modificações constantes e não encontra definição legal. O que existe é uma variação de acordo com a realidade da predileção externada pela maioria dos pretendentes à Adoção, apontando para idade de crianças superior àquela que esteja no topo das preferências.
“Há duas décadas, quando grande parte dos pretendentes optava por crianças até dois anos, a Adoção de crianças de três anos já era considerada tardia”, destaca Jussara. Hoje, crianças acima de oito anos de idade são consideradas dentro do espectro tardio, o que, de certa forma, é positivo no ponto de vista do aumento da faixa etária. Contudo, mesmo com as modificações, parte dos pretendentes busca crianças de até cinco anos, brancas, sem doenças graves e/ou deficiências, sem grupos de irmãos, com predileção por meninas.
Terminologia
Outra mudança em discussão diz respeito ao termo Adoção Tardia. Apesar de ser popular, tem caído em desuso por quem trabalha na seara da Adoção. “Embora ainda seja uma expressão bem comum, a justificativa para que seja substituída é a de que nenhuma Adoção é tarde demais. Nunca é tarde demais para se tornar filho, para se tornar família”, conta Jussara Marra, da Angaad.
Algumas terminologias, então, têm surgido para substituição, como Adoção de crianças mais velhas e adolescentes, a fim de quebrar paradigmas.
Há opiniões diversas sobre a necessidade de uma modificação, portanto uma reflexão é mais que necessária. Soraya Pereira, psicóloga, assessora de Psicologia da Angaad e presidente do grupo de apoio à convivência familiar e comunitária Aconchego, de Brasília, acredita que o termo continua atual e esclarecedor. “Já te diz, não no sentido de que toda Adoção tem que ser privilegiada. Para nós, do Aconchego, quando falamos em Adoção tardia, a gente pensa o seguinte: 'por que eu te encontrei tardiamente?'. É no sentido de 'por que esse encontro de criança, adolescente e adotante não aconteceu mais cedo?'”, ela diz. “É uma discussão que sempre existirá, da mesma forma que filho biológico e filho consanguíneo. Não acredito que existirá um único termo e sim vários. O importante, a meu ver, é que toda Adoção é necessária."
Desafios burocráticos
Enquanto a burocracia, por um lado, desempenha um papel essencial na preparação dos adotantes, ao longo do tempo decorrido, o qual deve ser aproveitado para elaboração de diversas questões internas, existem demoras injustificadas durante o acolhimento.
Muitas vezes, esse impasse é decorrente de limitações de equipes técnicas, acúmulos de processos em Varas Judiciais e, claro, os excessos na busca pela família biológica. Percebe-se um favorecimento injustificado ao biologismo, por meio de contato desmedido com parentes sem qualquer vínculo afetivo e/ou proximidade com a criança ou o adolescente.
“O tempo vai passando, as crianças e os adolescentes vão ficando mais velhos e, com os perfis de adotantes indicando, em sua maioria, crianças menores, o que vemos é o tempo ir contra a adoção dessas crianças”, lembra Jussara.
Além disso, na Adoção de crianças mais velhas e adolescentes, encontra-se uma grande dificuldade em entender que a idade que o documento de registro mostra não condiz com aquela que se vê demonstrada por atitudes e comportamentos.
Podem ser diversas as razões de desenvolvimento ainda incompleto de competências previstas para a faixa etária, que vão merecer maior atenção e dedicação para que sejam recuperadas.
"Quem quer adotar uma criança maior ou um adolescente precisa ter esse perfil, pois existe uma certa crença de, por exemplo, a pessoa falar: 'trabalho na área da Educação, sei lidar'. Mas uma coisa é ser mãe ou pai e outra é ser professora ou professor, sabe? Por isso eu acredito que precisamos trabalhar muito essa questão, para que as pessoas não se enganem, não se frustrem após a Adoção. Não achem que, sem preparação, darão conta de todos os cuidados que a criança ou que o adolescente precisa”, complementa Soraya.
A Adoção tardia no Brasil é uma questão complexa que envolve desafios emocionais, sociais e burocráticos. No entanto, criar condições seguras de acesso a um lar afetivo e permanente para crianças mais velhas e adolescentes é uma oportunidade de lhes proporcionar amor, estabilidade e um futuro promissor. Com maior conscientização dos profissionais, com a preparação devida dos acolhidos e dos pretendentes, com o apoio governamental para mudanças no sistema de acolhimento, é possível superar esses desafios, diminuir ou cessar a violência do acolhimento prolongado e dar a possibilidade de crescerem em um ambiente amoroso e acolhedor.
Sobre a Angaad
A Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção é organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que congrega e apoia os GAAs. Ela trabalha pela convivência familiar de crianças e adolescentes. Presente em todas as regiões do Brasil, a ANGAAD atua, desde 1999, de forma voluntária. Segue as diretrizes do ECA e representa os grupos junto aos poderes públicos e às organizações da sociedade civil, em ações que desenvolvem e fortalecem a cultura da Adoção.
A nova diretoria da ANGAAD, com gestão entre 2023 e 2025, é composta por Jussara Marra (presidente), Antônio Júnior (vice-presidente), Ingrid Mendes (secretária), Gilson Del Carlo (tesoureiro), Francisco Cláudio Medeiros (diretor jurídico), Sara Vargas (diretora de relações públicas), José Wilson de Souza (diretor financeiro), Erika Fernandes (diretora de comunicações), Eneri Albuquerque (diretora técnica) e Hugo Damasceno (diretor de relações institucionais).
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