A mulher que dá à luz na prisão é jovem, negra e mãe solteira. Inédito, o censo
carcerário de mães presas feito pela Fundação Oswaldo Cruz e pelo Ministério da
Saúde confirmou um perfil socioeconômico observável nas unidades prisionais
femininas.
A
pesquisa revelou também o drama da experiência de estar grávida e parir em uma
prisão brasileira. Uma em cada três mulheres foi algemada após ser internada
para o parto, apurou a pesquisa. A situação das mulheres que estão grávidas ou
que tiveram filhos no sistema prisional é acompanhada pela presidente do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF),
ministra Cármen Lúcia, a partir de informações dos presidentes de tribunais de
Justiça.
Entre
agosto de 2012 e janeiro de 2014, os pesquisadores responsáveis pelo estudo
“Saúde materno-infantil nas prisões” visitaram 24 estados brasileiros. Ouviram
pessoalmente 495 mulheres presas, no ambiente prisional. Apenas 241 presas que
deram à luz na cadeia e que tinham filhos menores de um ano foram consideradas
como amostra do estudo. Desse grupo, 67% tinham entre 20 e 29 anos. A maioria
das mulheres era negra – 57% se declararam pardas e 13%, pretas – e mãe
solteira (56% da amostra).
A
vulnerabilidade social do grupo das mulheres presas, especialmente as mães que
tiveram filhos na cadeia, também foi constatada pelo fato de 30% delas
chefiarem suas famílias – 23% delas tinham famílias chefiadas pelas próprias
mães. Praticamente metade delas (48%) não tinha concluído o ensino fundamental,
ou seja, uma em cada duas mulheres presas entrevistadas estudou sete anos ou
menos.
Experiência violenta e
precária
De
acordo com os resultados do estudo, a vulnerabilidade social delas foi agravada
durante a experiência da parição. Embora a maioria delas (60%) tenha sido
atendida em até meia hora após o início do trabalho de parto, apenas 10% das
famílias das presas foram avisadas. Uma em cada três mulheres foi levada ao
hospital em viatura policial. A estadia na maternidade também foi problemática,
uma vez que 36% das mulheres ouvidas relataram que foram algemadas em algum
momento da internação. Maus tratos ou violência – verbal e psicológica – foram
praticadas por profissionais da saúde em 16% dos casos e por agentes
penitenciários em 14% dos relatos.
Algemadas
Sete
mulheres das 241 ouvidas (8% do total) alegaram ter sido algemadas enquanto
davam à luz. Apenas 3% das mulheres entrevistadas tinham acompanhantes na sala
de operação e as visitas pós-nascimento foram autorizadas em somente 11% dos
casos. De acordo com os relatos colhidos durante a pesquisa, a intimidade das
mulheres parturientes foi respeitada por 10,5% dos profissionais de saúde e por
11,3% dos agentes prisionais.
Antes do parto
Para
analisar a experiência pré-parto e o atendimento prestado às gestantes, foi
considerada recomendação do Ministério da Saúde, segundo a qual o pré-natal
adequado tem de ser iniciado antes da 16ª semana da gestação. A distribuição
das consultas é trimestral: uma no primeiro trimestre, duas no segundo e três,
no terceiro. Apenas 32% das mulheres ouvidas tiveram um atendimento pré-natal
adequado. Nove em cada dez mulheres entrevistadas chegaram à prisão grávidas.
Destas gravidezes, duas de cada três foram indesejadas. De todas as
mulheres grávidas, 19% não ficaram satisfeitas com a notícia da chegada de um
filho.
Monitoramento
Em
reunião com os presidentes dos tribunais da Justiça Estadual, realizada
no gabinete do STF no início de agosto, a presidente do CNJ e do STF, ministra
Cármen Lúcia, cobrou dos presidentes informações sobre o número de presas
grávidas nos seus respectivos sistemas prisionais. Apenas cinco presidentes
apresentaram dados: Amapá (nenhuma presa grávida na prisão), Goiás (12),
Maranhão (seis), Minas Gerais (40) e Pará (quatro). A ministra deve cobrar
respostas novamente na reunião de setembro.
Regras internacionais
O
conjunto normativo considerado pelos pesquisadores, as Regras das Nações Unidas,
sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de
liberdade para mulheres infratoras, foi editado em português pelo CNJ em 2016
na publicação “As
Regras de Bangkok”.
Manuel
Carlos Montenegro
Agência
CNJ de Notícias