Follow the Money, dizia um dos envolvidos na apuração do maior escândalo político dos Estados Unidos dos anos 70, o Watergate, que culminou com a renúncia do Presidente Nixon, envolvido em espionagem e outros crimes. A frase, repetida inúmeras vezes, sugere que a forma mais eficaz de investigar delitos sofisticados é perseguir o rastro do dinheiro deixado pelos criminosos.
Ele leva aos autores do crime, e revela o modo de operação das quadrilhas.
Passados os anos, a expressão continua atual. Vivemos em um tempo de sofisticação criminosa, no qual grupos estruturados, profissionalizados, com contatos no exterior e no mundo político, praticam delitos com eficiência de empresas multinacionais. O combate a essas organizações exige uma política criminal mais apurada, que vá além da mera prisão de seus membros. É preciso seguir o dinheiro, identificar seus recursos, para abalar financeiramente sua estrutura.
Encarcerar líderes criminosos não é suficiente porque seu espaço logo é ocupado por substitutos, em uma fungibilidade própria destas organizações. A reclusão dos líderes do PCC não desmontou a facção, apenas alterou o local da tomada de decisões. Para além das prisões, é necessário encontrar o produto do crime, e impedir seu uso. Sem dinheiro, a associação criminosa perde a capacidade de pagar seus “soldados”, financiar atividades, remunerar os servidores públicos que facilitam sua atuação. Torna-se estéril, desprestigiada, reduz seu campo de atuação ou desaparece.
Sintomático que o maior golpe ao PCC não tenha sido a prisão de seus membros, mas a descoberta de sua rede de financiamento através da simulação de ganhos em postos de gasolina. No campo dos crimes econômicos, boa parte das apurações da Lava Jato só foi possível porque as autoridades brasileiras receberam da Suíça dados sobre contas bancárias, depósitos e movimentações. As informações ajudaram investigações. Os bloqueios de bens limitaram a capacidade de ação dos envolvidos.
A arma mais poderosa contra o crime organizado é o ataque financeiro. Para isso, é fundamental identificar os recursos derivados do crime, e combater a lavagem de dinheiro, prática que merece atenção.
O termo lavagem de dinheiro foi empregado inicialmente pelas autoridades norte-americanas para descrever um dos métodos usados pela máfia nos anos 30 do século XX para justificar a origem de recursos ilícitos: a exploração de máquinas de lavar roupas automáticas. A lavanderia era deficitária, mas no papel dava grandes lucros. O dinheiro sujo era justificado como se fosse ganho naquela atividade.
Com o tempo, as formas de dissimulação de recursos foram sofisticadas. Simulações de exportações, compra e venda de imóveis com valores diferentes daqueles de mercado, em empréstimos de regresso, pagamento de protesto de divida simulada via cartório, dentre outras práticas, passaram a ser usadas para esconder dinheiro sujo.
Por isso, desde os anos 70, diversos países aprovaram leis que criminalizaram a dissimulação de bens oriundos de crimes. O criminoso passou ser punido não só pelo delito praticado, mas também por esconder os valores dele advindos. Por exemplo, o funcionário público que recebe propina e a esconde em contas de laranjas passou a responder por corrupção (pela propina) e pela lavagem de dinheiro (por ocultar valores), de forma cumulativa.
No Brasil, o crime de lavagem de dinheiro foi criado apenas em 1998, mas sua persecução tem sido um meio importante para a repressão financeira ao crime organizado.
Mas o combate à lavagem de dinheiro não pode ser feito de forma isolada. O Poder Público, sabendo-se incapaz de monitorar todas as operações comerciais e financeiras do mercado em busca de possíveis atos de lavagem de dinheiro, passou a identificar setores sensíveis, aqueles mais usados para ocultação de recursos ilícitos, e exigir dos profissionais que neles atuam o recolhimento de informações sobre seus clientes e a comunicação de operações suspeitas.
São setores sensíveis aqueles em que são realizadas operações financeiras em massa, como bancos, ou onde o valor do objeto comercializado não é claro e preciso, como no ramo de artes ou de transações com atletas. A dificuldade de estabelecer o preço de um quadro ou de um jogador de futebol pode atrair ao negócio agentes criminosos que superfaturem ou subfaturem preços para justificar a entrada ou saída de receitas ilícitas.
Por isso, a lei brasileira impõe àqueles que atuam nesses setores um dever de vigilância mais apurado. Devem cadastrar clientes, conhecer suas operações e, sempre que identificarem movimentos fora do normal, têm a obrigação de comunicar às autoridades públicas. Um leiloeiro de arte que venda um quadro por um valor muito acima do mercado, para um cliente desconhecido ou reconhecidamente incapaz de pagar aquele valor, deve comunicar o ocorrido. Do contrário, será punido com multa e poderá até ser considerado cúmplice na lavagem de dinheiro.
Com isso, torna-se mais eficaz o enfrentamento financeiro do crime organizado. O sistema é inteligente e funciona bem, mas há passos que podem ser dados para melhorá-lo. A aprovação de uma lei que organize a cooperação internacional conferiria maior transparência e eficácia na troca de dados financeiros entre países. A informatização dos cartórios de imóveis permitiria que informações sobre propriedades fossem sistematizadas e cruzadas, a fim de identificar ocultação de recursos por operações nesse setor.
As formas de combate à lavagem de dinheiro não são estanques. A criatividade humana para o crime é inesgotável, de maneira que as estratégias de controle devem sempre ser aprimoradas. O uso de dinheiro eletrônico, o desenvolvimento de aplicativos para operações de câmbio de moedas entre particulares, a possível aprovação da exploração de jogos de azar no Brasil, os programas de repatriação de recursos, são temas e contextos que exigirão novas técnicas para evitar a lavagem de dinheiro.
Essa dinâmica faz com que o assunto esteja sempre em pauta. Novos meios de ocultação de recursos sujos e a descoberta de instrumentos para sua identificação formam a dança da politica criminal nessa seara, cujo objetivo será sempre identificar e retirar do crime organizado seu bem mais precioso: o dinheiro que alimenta suas atividades. É a maneira mais inteligente, racional e efetiva para fazer frente à sofisticação empresarial do crime organizado.
Pierpaolo Cruz Bottini - professor de direito penal da Universidade de São Paulo. Foi Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça e membro do Conselho Nacional de Politica Criminal e Penitenciária.