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No Brasil, mais de 300 gestantes morrem de pré-eclâmpsia por ano Freepik |
Durante a
pandemia de COVID-19, sobretudo antes de as vacinas estarem disponíveis, soou o
alerta para uma possível correlação entre casos graves de COVID-19 em gestantes
e pré-eclâmpsia, condição caracterizada pelo aumento persistente da pressão
arterial materna durante a gestação e que pode trazer graves danos para a mãe e
o bebê. Grávidas infectadas pelo SARS-CoV-2 tendiam a apresentar quadros de
pré-eclâmpsia com maior frequência, além de risco aumentado de complicações e
morte.
Um dos desafios clínicos na época era fazer o
diagnóstico diferencial. Isso porque a pré-eclâmpsia, que tem maior prevalência
no terceiro trimestre de gestação, é uma doença que vai além de alterações na
pressão arterial. Eleva o risco de insuficiência renal, hepática e disfunção
placentária – condições que uma paciente com COVID-19 grave também pode
apresentar em decorrência da inflamação exacerbada induzida pelo coronavírus.
E o protocolo de atendimento para as duas situações
é, em geral, diferente: enquanto a indicação para pré-eclâmpsia é antecipar o
parto, interrompendo a gravidez, no caso da COVID-19 pode-se manter a gestação,
com suporte clínico até a melhora da infecção. Ou seja, sobretudo nos casos
mais graves de pré-eclâmpsia (chamados de síndrome HELLP) e precoces (antes de
34 semanas de gestação) era ainda mais importante garantir o diagnóstico
adequado.
Três anos após o período mais letal da pandemia,
uma revisão de estudos conduzida com apoio da FAPESP
e publicada no American
Journal of Reproductive Immunology sugere a existência de uma relação
entre a fisiopatologia da pré-eclâmpsia e a da COVID-19.
Realizado por pesquisadores da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e do Baylor College of Medicine, nos Estados
Unidos, o trabalho pontuou as relações entre as duas condições, com vias comuns
envolvendo o sistema renina-angiotensina (conjunto de moléculas envolvidas na
regulação da pressão arterial) e o receptor ACE2 (sigla em inglês para enzima
conversora de angiotensina tipo 2), ao qual o vírus SARS-CoV-2 se liga para
infectar a célula humana. Em outro estudo, o mesmo grupo de cientistas
identificou biomarcadores capazes de distinguir a pré-eclâmpsia da COVID-19
grave em gestantes.
“De fato, há uma semelhança muito grande na
evolução das duas condições. Tanto na COVID-19 quanto na pré-eclâmpsia com
gravidade pode haver disfunção de múltiplos órgãos e hipertensão arterial. Há
também similaridades em relação ao mecanismo, pois o receptor ACE2 tem
papel-chave no sistema de regulação da pressão. Portanto, é possível que a
infecção gere um aumento do risco de pré-eclâmpsia, como mostraram vários
estudos que comprovaram uma frequência maior de pré-eclâmpsia nas pacientes com
COVID-19”, explica Maria Laura Costa do Nascimento,
professora de obstetrícia da Unicamp e autora da revisão.
Mortalidade em alta
No Brasil, mais de 300 gestantes morrem de
pré-eclâmpsia por ano. Já os países de alta renda quase zeraram essas mortes
graças a investimentos em ações para o diagnóstico precoce, permitindo um
melhor tratamento para as gestantes, conta a pesquisadora.
Durante a pandemia, os casos de morte materna
explodiram. Dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2020, 1.965 mulheres
morreram durante a gravidez, o parto ou o puerpério no Brasil. Em 2021, o
número subiu para 3.030 mortes.
O boletim epidemiológico também indica uma condição
de alto risco para pré-eclâmpsia. “A nossa meta para 2030 em termos de morte
materna é chegarmos a menos de 30 mortes por 100 mil nascidos vivos. Atualmente
[dados de 2023], estamos em 70 mortes para 100 mil nascidos vivos. Na pandemia,
em 2021, esse número chegou a 120 na média nacional, com Estados e regiões
apresentando números ainda maiores. A COVID-19 veio para colocar uma lupa no
que já acontecia e mostrar o impacto do desfecho adverso nessa condição”,
afirma a pesquisadora à Agência FAPESP.
Segundo Nascimento, não é possível associar a alta
na mortalidade materna durante a pandemia com o aumento de casos de
pré-eclâmpsia. “Não temos dados de vigilância nem um diagnóstico adequado dessa
condição. O que dá para dizer – e isso a partir de um estudo multicêntrico que
realizamos na época da pandemia em 16 maternidades do país – é que
houve risco aumentado de morte ou agravamento do quadro de saúde da
paciente quando as duas condições estavam presentes. E nosso trabalho de
revisão demonstra que a prevalência de pré-eclâmpsia aumenta entre os casos de
infecção.”
Outro estudo realizado pelo grupo de Nascimento
mostrou a existência de biomarcadores capazes de diferenciar pré-eclâmpsia de
COVID-19 em gestantes.
“São marcadores clássicos para a pré-eclâmpsia [as
proteínas sFlt-1e PlGF], que ajudam a controlar a vasoconstrição e a
vasodilatação. Essas proteínas são produzidas ao longo da gestação pelas
células da placenta. Nos casos de pré-eclâmpsia, há um desbalanço: diminuição
das proteínas pró-angiogênicas [PlGF] e aumento das antiangiogênicas [sFlt-1].
Vimos que esses biomarcadores são específicos para pré-eclâmpsia. Não sofrem
alterações na COVID, o que poderia auxiliar no diagnóstico diferencial”, conta.
Como destaca a pesquisadora, existem fatores de
risco muito bem estabelecidos para a pré-eclâmpsia: mulheres que têm
hipertensão arterial crônica, que tiveram pré-eclâmpsia na gestação anterior,
gravidez gemelar, diabetes e doença autoimune. “São vários fatores que definem
como essa gestante deve ser acompanhada e, talvez, a COVID-19 deva entrar para
esse rol no futuro”, avalia.
O artigo Preeclampsia in the Context of
COVID-19: Mechanisms, Pathophysiology, and Clinical Outcomes pode ser
lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/aji.13915.
Já o estudo Preeclampsia among women with
COVID-19 during pregnancy and its impact on maternal and perinatal outcomes:
Results from a national multicenter study on COVID in Brazil, the REBRACO
initiative está disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35568019/.
E o artigo Role of biomarkers (sFlt-1/PlGF)
in cases of COVID-19 for distinguishing preeclampsia and guiding clinical
management pode ser encontrado no endereço: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36525933/
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudos-apontam-correlacao-entre-pre-eclampsia-e-covid-19-em-gestantes/53920
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