Enzima clonada a partir de inseto encontrado no campus de Sorocaba da UFSCar – e modificada por engenharia genética – permite monitorar a acidez intracelular, podendo ser empregada no estudo de doenças e fármacos
O gene que codifica uma enzima
de um vagalume descoberto no campus de Sorocaba da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) deu origem a um biossensor capaz de indicar mudanças de pH nas
células de mamíferos – o que pode ser útil no estudo de doenças e na avaliação
da toxicidade de um candidato a fármaco, por exemplo.
A luciferase da espécie Amydetes
vivianii muda de cor, passando do verde-azulado para o amarelo e o
vermelho, à medida que a acidez diminui em fibroblastos, o tipo celular mais
comum do tecido conjuntivo. Tudo isso com bastante intensidade e estabilidade,
algo que não havia sido alcançado com outras luciferases testadas pelo grupo de
pesquisadores.
O trabalho, apoiado pela
FAPESP, foi publicado na revista Biosensors.
As luciferases são enzimas
encontradas em seres vivos bioluminescentes, que geram luz quando oxidam a
luciferina, um composto que também precisa estar presente no processo. A
luciferase estudada agora provém de uma espécie descoberta em 2006 por um dos
coordenadores do estudo, Vadim Viviani,
coordenador do Laboratório de Bioquímica e Tecnologias Bioluminescentes da
UFSCar. A enzima foi clonada em 2011 pelo seu grupo de pesquisa.
“Dentro da célula, as mudanças
de pH podem ser indicadoras de processos como homeostase, proliferação e morte
celular, entre outros. Nossa técnica tem potencial para estudar doenças ou a
toxicidade de fármacos, por exemplo”, aponta Vanessa Bevilaqua, primeira
autora do artigo e bolsista de pós-doutorado na
Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP), campus de Sorocaba.
O trabalho foi realizado nos
laboratórios coordenados por Viviani, na UFSCar, e por Eliana Duek, na
PUC-SP. Duek também é apoiada pela FAPESP.
Outras luciferases testadas
pelo grupo produziam luz avermelhada e que mudavam menos de cor na temperatura
de 36°C, em que as células de mamíferos funcionam.
“A nova luciferase foi
modificada para ser mais bem expressa em células de mamíferos. Além de ter uma
maior amplitude de mudança de cor da luz, tem uma estabilidade maior e propicia
um brilho [intensidade] mais forte. A técnica não é tóxica e não depende de
fonte de luz externa, como no caso da fluorescência, outra forma de utilizar
luz para estudar células”, explica Viviani.
Nos ensaios realizados pelo
grupo, além de fazer imagens da bioluminescência em câmeras de fotodetecção,
foi possível fotografar a luz emitida pelas luciferases nas células de
mamíferos mesmo com a câmera fotográfica de um smartphone.
O brilho foi intenso pelos
primeiros 30 minutos, quando começou a diminuir. Embora mais fraco, se manteve
por pelo menos 12 horas – ainda que só pudesse ser detectado com um equipamento
de fotodetecção avançado.
“Com isso, é possível usar a
cor da luz para indicar o pH dentro de células, incluindo as humanas, e inferir
se há estresse celular ou outro efeito relacionado com a acidez. É algo inédito
e que desenvolvemos totalmente no Brasil”, acrescenta Viviani.
O trabalho integra o projeto “Desenvolvimento de insumos bioluminescentes para imunoensaios, análises
ambientais e bioimagem”, apoiado
pela FAPESP e coordenado por Viviani.
Outros coautores são Gabriel Pelentir, bolsista
de doutorado na UFSCar, e Moema
Hausen, professora na PUC-SP.
Histórico
Em estudos anteriores, os
pesquisadores já haviam desenvolvido a aplicação da luciferase de outro
vagalume, do gênero Macrolampis, para indicar o pH de células
bacterianas (leia mais em: agencia.fapesp.br/20548).
Quando testada em células de
mamíferos, porém, a bioluminescência emitida pela luciferase do Macrolampis era
muito avermelhada e mudava pouco com alterações de pH, não tendo a estabilidade
acima de 36°C e diminuindo a efetividade necessária para esse tipo celular.
O grupo de Viviani também
desenvolveu durante a pandemia um imunoensaio que pode ser usado para detectar
COVID-19 baseado na luciferase de Amydetes vivianii, que brilha
quando em contato com anticorpos contra o SARS-CoV-2 (leia mais: agencia.fapesp.br/36330).
Com o trabalho agora concluído,
o laboratório liderado pelo professor da UFSCar, que já tinha uma
infraestrutura única para estudos e aplicações da bioluminescência, adquire
também capacidade para realizar testes bioluminescentes em células de
mamíferos.
Com isso, pode tanto realizar
novos estudos com essa luciferase como testar outras que fazem parte do acervo
do laboratório, reunido ao longo de mais de 30 anos pelo pesquisador, principalmente
a partir de insetos brasileiros (leia mais em: agencia.fapesp.br/28840, agencia.fapesp.br/31485 e agencia.fapesp.br/50429).
“Com este desenvolvimento,
abrimos um leque de perspectivas que vão desde bioensaios de toxicidade de
fármacos e cosméticos, efeito de biomateriais em células humanas e até mesmo
novas formas de estudar células cancerígenas”, encerra Bevilaqua.
O artigo Selection and
Engineering of Novel Brighter Bioluminescent Reporter Gene and Color- Tuning
Luciferase for pH-Sensing in Mammalian Cells pode ser lido em: www.mdpi.com/2079-6374/15/1/18.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/luz-de-vagalume-da-origem-a-sensor-que-detecta-alteracoes-celulares/53901
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