Pesquisadores da Universidade São Francisco, no interior paulista, analisaram dados de mais de 1 milhão de pacientes hospitalizados na rede pública após contrair o SARS-CoV-2. Menor produção de citocinas e de proteína ACE-2 – que serve de receptor para o vírus – seriam a explicação (foto: Freepik)
Desde o início da pandemia, em 2020,
especula-se que a asma poderia contribuir para o agravamento e a letalidade da
COVID-19. Divulgados recentemente
na revista Frontiers in Medicine, os
resultados do maior estudo feito até agora com pacientes que foram
hospitalizados no Sistema Único de Saúde (SUS) por causa dos sintomas clínicos
mais graves da COVID-19 sugerem exatamente o contrário. Além de não piorar o
quadro, a asma pode ter um papel protetor na infecção pelo SARS-CoV-2.
“Apesar de desenvolverem mais
sintomas clínicos, os pacientes com asma foram menos propensos a morrer da
COVID-19 em comparação com indivíduos sem asma”, afirma um dos autores do
trabalho, o biólogo e doutor em ciências da saúde Fernando Augusto Lima Marson,
da Universidade São Francisco (USF), em Bragança Paulista (SP). Para chegar a
essa conclusão, o grupo formado por cinco pesquisadores avaliou os registros
clínicos e demográficos de 1.129.838 pacientes hospitalizados com COVID-19.
Desse total, 43.245 (3,8%) eram pacientes com asma, uma prevalência baixa que
já tinha sido apontada por estudos anteriores. Entre os doentes que precisaram
de suporte ventilatório invasivo, por exemplo, 74,7% dos pacientes com asma
morreram, enquanto o percentual de mortes entre os pacientes sem asma foi de
78%. No grupo que recebeu suporte ventilatório não invasivo, 20% dos pacientes
com asma foram a óbito versus 23,5%
entre os pacientes sem asma. Entre os que não precisaram de suporte
ventilatório, 11,2% dos pacientes com asma morreram. Já o percentual de baixas
dos pacientes sem asma na mesma situação foi de 15,8%. Todas as informações
foram obtidas no banco de dados OpenDataSUS.
A hipótese dos pesquisadores é que as
especificidades da resposta imune dada pelo organismo à asma criam um cenário
desfavorável à escalada inflamatória associada à forma mais grave da COVID-19.
A pessoa com asma apresenta uma baixa produção de citocinas inflamatórias, um
grupo de proteínas que aumenta a capacidade do corpo de destruir células
tumorais, vírus e bactérias (os interferons, por exemplo). Isso estimula uma
resposta imune mediada por células de defesa (linfócitos) TCD4+Th2, em
detrimento do subtipo Th1.
“A predominância da resposta Th2 é
benéfica porque pode regular e diminuir o impacto da fase tardia da
hiperinflamação, que é um ponto crítico em infecções respiratórias graves”,
explica Marson, que coordena o Laboratório de Biologia Celular e Molecular da
USF. Ele também é responsável pelos trabalhos de conclusão de curso na USF,
onde 100% dos alunos de pós-graduação são bolsistas integrais.
De acordo com a pesquisa, que recebeu financiamento da
FAPESP, a asma causaria ainda outras dificuldades ao SARS-CoV-2. A inflamação
crônica dos alvéolos pulmonares das pessoas com asma diminui a quantidade de
receptores ACE-2 (em português ECA-2, enzima conversora de angiotensina 2), uma
proteína encontrada na superfície de diversas células do corpo, inclusive nas
do epitélio do sistema respiratório. Ela é usada pelo vírus da COVID-19 para
penetrar no interior das células, onde se multiplica.
“A menor produção de citocinas
inflamatórias e a menor quantidade de receptores para o vírus resultam em menos
chance de infecção grave”, afirma Marson. Quantidades maiores de eosinófilos
[glóbulos brancos] presentes no sangue de pessoas com asma igualmente
desfavoreceriam a COVID-19 grave. Para os pesquisadores, o impacto de todas
essas circunstâncias ajuda a entender por que, embora a asma afete 10% da
população, apenas 3,8% dos pacientes diagnosticados com COVID-19 e tratados
pelo SUS tinham a doença.
Mais pesquisas são necessárias
Na avaliação de Marson, o tamanho da
amostra avaliada faz diferença e pode diluir alguns vieses. “Para se ter ideia,
na mesma época em que o nosso estudo foi feito, um trabalho nos Estados Unidos
que acompanhou entre 300 e 400 pacientes concluiu que a asma era um fator de
risco”, conta.
Ele afirma ainda que o estudo da USF
pode conter alguns dados equivocados por causa da natureza das informações
analisadas. “Nosso estudo se baseou em dados coletados por uma agência de
governo. Ainda que tenhamos nos aproximado do cenário real do Brasil no que
concerne à resposta da COVID-19 em relação à asma, com a inclusão de muitos
pacientes, o banco de dados ainda possui limitações. Não há, por exemplo, a
descrição de testes laboratoriais que poderiam confirmar o diagnóstico de
asma”, diz Marson.
Nova análise e coleta de dados serão
feitas pelo grupo da USF a partir deste mês, provavelmente com um universo de 4
milhões de pessoas hospitalizadas após a infecção pelo SARS-CoV-2. “Vamos
trabalhar com um banco mais robusto e focar novamente no desfecho, mas também
na influência da vacina contra o vírus”, adianta o pesquisador.
O estudo publicado na revista Frontiers in Medicine provocou desdobramentos. Um
grupo de cientistas de dados pretende verificar as taxas de incidência da
COVID-19 em pessoas com asma em nove municípios da região onde está situada a
USF, no interior paulista. De Portugal, veio o convite da Universidade de
Lisboa para uma parceria destinada a verificar a incidência da infecção em
pessoas com fibrose cística. “Essa doença provoca alterações fisiológicas
parecidas com as da asma e muito muco no pulmão, o que poderia dificultar a
entrada do vírus na célula”, observa Marson.
O artigo Profile of coronavirus disease enlightened asthma as a protective factor against death: An epidemiology study from Brazil during the pandemic pode ser acessado em: www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmed.2022.953084/full.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/em-vez-de-fator-de-risco-estudo-sugere-que-a-asma-protege-contra-o-agravamento-da-covid-19/41017/
Nenhum comentário:
Postar um comentário