Mais do que uma crise de imunidade, cenários como estes apontam para uma crise de humanidade. Temos espalhado amor e companheirismo ou ódio e intolerância?
Mal terminamos de lidar com um vírus,
outro já surgiu: o da varíola dos macacos. Na verdade, ele já é um velho
conhecido da humanidade (pelo menos desde 1970), mas enquanto antes ele era
endêmico (apenas em regiões da África); agora reapareceu – como tudo que é
moderno – de forma global.
Foi-se a época em que eventos ocorriam
isoladamente e afetavam regiões específicas do planeta. Como já disse o Baal
Hasulam, em seu livro “A Paz”: “hoje o mundo é um sistema totalmente
(inter)conectado, de modo que tudo o que fazemos, dizemos ou pensamos afeta
todo o globo terrestre”.
Confesso ter certo receio dessas doenças
com nomes de animais: vaca louca, gripe suína, varíola do macaco. Do jeito que
o ser humano é, ele logo pressupõe que a culpa é dos bichos, e que eles devem
ser eliminados. Mas nada mais longe da verdade. A culpa é nossa, e
exclusivamente nossa.
Segundo a Cabalá, vertente mística do
judaísmo, a Natureza é uma das ferramentas que o Criador usa para reger o mundo. Na verdade, segundo nos lembra o
comentarista bíblico Baal Haturim, um dos próprios nomes de D´us (Elohim)
possui o valor numérico da palavra hebraica para Natureza (Teva), indicando que
a própria Natureza é uma faceta de Deus ou uma das expressões do Divino.
Não espanta que poucas coisas sejam mais
poderosas do que a Natureza. A pergunta que surge em momentos de doenças como
essa é: o que a Natureza quer de nós? Por que D´us está usando os meios
naturais para enviar doenças à humanidade? Ele está punindo a humanidade
com esse tipo de aflição, de modo similar ao que talvez fez no Egito, enviando
sarna aos algozes do Povo de Israel?
O fato de as pessoas estarem se
perguntando isso é, na verdade, um ótimo sinal e, em si mesmo, parte do plano,
por assim dizer.
É dos projetos e interesses da Natureza
fazer com que os seres humanos analisem sua vida, pensem sobre seus atos e,
quando necessário, os adaptem para um melhor viver. Idealmente, essas mudanças
deveriam ocorrer de forma suave e prazerosa; mas, infelizmente, às vezes o
melhor modo de fazer isso é dando “golpes”. Como já ensinou Maimônides:
pelo amor, ou pela dor.
O primeiro passo para uma real análise
de um problema (seja ele qual for) é identificar qual é a nossa parcela
de culpa nele e qual é a nossa responsabilidade frente ao que está ocorrendo.
Sem apontar dedos, sem transferir a culpa, sem achar bodes expiatórios
(pobres dos bodes).
Podemos talvez nos perguntar
especificamente por que a Natureza tem usado de vírus que se transmite por
contato? Por que estamos vendo doenças que surgem e pedem o nosso
isolamento, impedindo-nos de nos relacionarmos com os outros da forma como
sempre fizemos?
Talvez porque justamente a forma como
sempre nos relacionamos está insalubre. Como andam as nossas relações sociais e
interações pessoais? Por acaso já não vivemos uma espécie de alienação uns dos
outros com as novas formas de se relacionar oferecidas pela tecnologia? Se
assim for, talvez esses vírus sejam apenas uma materialização real do que já
ocorre no mundo virtual há alguns anos.
Em outro sentido, quando nos aproximamos
do outro, qual tem sido a tendência das nossas relações? Temos
espalhado amor e companheirismo ou ódio e intolerância? Se for para
espalhar este último, talvez isso contrarie os planos da Natureza; e – nada
mais natural – que ela prefira nos incutir o medo de se aproximar do meu
próximo.
A tradição judaica conta que o único
motivo pelo qual o Templo de Jerusalém foi destruído é que havia ódio gratuito
entre as pessoas.
A lição é clara: o ódio infundado entre as pessoas destrói o meu ambiente, faz
com que ruam as bases da minha espiritualidade (o Templo).
Falando em medo... Por que doenças
causadas por vírus, seres invisíveis e de tamanho insignificante? Uma tentativa
de ensinar que o inimigo pode ser oculto aos olhos e que tamanho não é
documento? Uma tentativa de desinflar o ego e a soberba humanas? Talvez.
Fato é que uma vez que o ser humano se
encontra disfuncional (consigo mesmo e na relação com o próximo), todos os
níveis da Criação sofrem dessa negatividade, já que tudo é conectado.
Para o Talmud (Eruvin 13b), o ser humano
é o auge da Criação, de modo que quando ele padece, em seguida, padecem e são
afetados todos os animais, as plantas, os minerais e o ecossistema como um
todo. Todos os níveis
da Natureza passam a ser disfuncionais, o que promove – entre outras coisas – o
surgimento de novas doenças e também todos os tipos de desastres naturais.
Tudo isso nada mais é do que reflexo da
nossa própria atitude negativa. Nessa perspectiva, o que causa furacões não são
os ventos tempestuosos na atmosfera, mas a intempestividade de espírito que
gera conflitos no mundo; o que causa terremotos não as movimentações e choque
das placas tectônicas, mas agitações e colisões nas mentes humanas, que impedem
que se encontre uma base firme onde viver.
Mais do que uma crise de imunidade,
essas doenças estão apontando para uma crise de humanidade. Quanto
antes formos capazes de perceber isso e entendermos a lição que a Natureza está querendo nos ensinar, antes sanaremos o cosmos: micro e
macro.
Fonte: Yair Alon - Nascido em Jerusalém, Israel, o rabino Yair Alon chegou ao
Brasil com cinco anos de idade, após a eclosão da Guerra do Golfo no Oriente
Médio, em 1990. Formado em linguística, com mestrado em língua, literatura e
cultura hebraica pela Universidade de São Paulo, ele estuda a Cabalá desde os
13 anos e se dedica a traduzir e comentar textos cabalísticos clássicos para alcançar
e ajudar o maior número de pessoas possível com este conhecimento milenar.
Nessa área de atuação, já traduziu livros do Rabi Shimon Bar Iochai, Chaim
Vital, Moshe Cordovero e Isaac Luria, além de ter ele mesmo escrito e publicado
títulos como Astrologia da Cabalá - Teoria e Prática, Felicidade e a Cabalá e A
Cabalá e o Fim dos Tempos, entre outros. Yair também aborda a ciência
cabalística em suas aulas, palestras, atendimentos e grupos de estudo, com o
objetivo de revelar conhecimentos que considera vitais para a humanidade,
possibilitando que, com esta ciência, as pessoas vejam o mundo de uma forma
mais positiva – e assim vivam vidas melhores e mais realizadas.
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