Opinião
Depois de quase duas décadas da invasão estadunidense ao Afeganistão, o país centro-asiático volta aos noticiários de forma dramática. O grupo fundamentalista Talibã dominou o Afeganistão desde a metade da década de 1990 até 2001. Após os ataques terroristas aos Estados Unidos , em 11 de setembro de 2001, o grupo recusou-se a entregar Osama Bin Laden aos EUA, que invadiu o país naquele mesmo ano e expulsou o Talibã de sua capital.
Desde então, os EUA investiram mais de um trilhão
de dólares no Afeganistão, considerado um país estratégico não apenas por suas
reservas de recursos naturais, mas também por sua localização: próximo do Irã,
Índia, China e Paquistão – o único país de maioria muçulmana a ter bomba
atômica. Em meio à retirada das tropas dos EUA – prevista para
encerrar-se totalmente no mês de setembro –, o grupo fundamentalista Talibã
retomou o controle do Afeganistão neste domingo, 15 de agosto.
Ainda que tenham sido expulsos da capital Cabul e
de várias outras regiões do país em 2001, o Talibã nunca foi totalmente
derrotado. Sua retomada do Afeganistão neste mês é o ponto máximo de uma
campanha iniciada há alguns meses. Enquanto o exército oficial do país –
treinado pelos EUA – retirava-se de áreas de batalha, o grupo recolhia armas e
munições pelo caminho. Pela rápida evolução do Talibã pode-se afirmar que o
grupo é muito mais do que insurgente.
Desde que o Talibã cercou Cabul, entre sexta-feira
13 e segunda-feira 16 de agosto, tristes imagens chegaram até nós. Ruas
congestionadas no caminho em direção ao aeroporto internacional, famílias
inteiras desesperadas correndo para entrar em qualquer avião, tiros disparados
ao alto numa tentativa de conter os angustiados. Os professores já se
despediram de suas alunas, acreditando que nenhuma menina maior de 10 anos
poderá ter acesso à educação, como foi na outra época de domínio do grupo sob o
país.
O presidente Ashraf Ghani deixou o Afeganistão, e
foi seguido por outros políticos de forma quase imediata. No domingo 15 de
agosto, os Talibãs já estavam no palácio presidencial alegando que a guerra
havia acabado e que o país estava livre de seus dominadores. De um lado, o
grupo extremista afirmou buscar o diálogo e uma transição pacífica de poder. De
outro, garantiu buscar a conversão total de seu país e dos demais à visão
mais conservadora e radical do islamismo. Alguns relatos dão conta de que estão
exigindo que as famílias entreguem meninas e mulheres solteiras para que se
tornem esposas dos combatentes. Por tudo isso, a afirmação Talibã de que
respeitará os direitos das mulheres parece ser apenas uma tentativa de acalmar
os ânimos de quem tenta fugir, para impor novamente seu domínio radical.
Em fevereiro de 2020, ainda sob o governo Trump, os
EUA e o Talibã assinaram um acordo de paz no Catar. Dentre os objetivos do
acordo estava não apenas a retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão,
mas também a possibilidade de que essas tropas continuassem no país em caso de
qualquer escalada de violência. Ainda que Cabul não tenha sido atacada nos
últimos dias, o governo norte-americano se apressou a retirar seus nacionais do
país.
Biden, até então, afirmava-se comprometido em
retirar os estadunidenses dali. A grande dúvida no momento é se o atual
presidente dos EUA cumprirá essa promessa, abandonando os afegãos à própria
sorte. Os chineses já reconheceram o Talibã como governante oficial em seu
país. Mês passado, representantes do grupo estiveram na China e disseram que
jamais permitirão que alguém use o solo de seu país contra os chineses.
Os russos já declararam estar prontos para
reconhecer o Talibã como a autoridade legítima do Afeganistão. Enquanto imagens
femininas são pintadas e cobertas por toda Cabul, o Conselho de Segurança da
ONU segue em reunião, discutindo os rumos que estão tão indefinidos quanto o
futuro dos agoniados afegãos. A dúvida no momento é se Biden cumprirá sua
promessa de retirada total das tropas, ou se os EUA retornarão ao país que
invadiram há quase duas décadas, numa das mais caras guerras de sua história.
Como fica a chamada guerra ao terrorismo? Poderia o acuado Estado Islâmico usar
o Afeganistão como uma nova base?
Esse é o momento chave para definir qual será o
legado de Joe Biden na presidência dos EUA: se um pacifismo pouco
misericordioso, ou uma nova etapa na guerra ao radicalismo.
João Alfredo Lopes Nyegray - advogado, bacharel em Relações
Internacionais, especialista em Negócios Internacionais, mestre em
internacionalização e doutorando em estratégia. É professor de Geopolítica e
Negócios Internacionais e coordenador do curso de Comércio Exterior na
Universidade Positivo.
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