Desde 23 de março, a Junta Comercial do Estado de
São Paulo anunciou a suspensão de todos os seus procedimentos, inclusive os que
estavam pendentes até esta data. Embora o registro na Junta Comercial possa
parecer uma simples e ineficaz burocracia é preciso lembrar que o registro
empresarial é a causa de uma série de efeitos jurídicos relevantes.
Além de causar um impacto direto na atividade
empresarial - que depende dos serviços da Junta para efeitos de
operacionalização das empresas, sendo o marco inicial do cumprimento de uma
série de obrigações acessórias, até mesmo em outras áreas, que não só a de
Direito Societário - o cumprimento dos atos de registro perante a este órgão é
condição para outros registros, como os fiscais, previdenciários e até mesmo
regulatórios, para atividades que demandam autorização governamental para a sua
realização.
O ato registral é o marco de nascimento da
personalidade jurídica. Isso significa que antes disso, as relações entre
sócios e demais stakeholders não são de fato imputáveis à sociedade, mas sim
aos sócios, em sua individualidade. A pessoa jurídica não terá “nascido” e,
como consequência, não existirá um estabelecimento empresarial – ou seja, o
patrimônio da empresa não estará ainda desgarrado do patrimônio dos sócios.
No mesmo sentido, enquanto a sociedade não existe
em caráter jurídico, os sócios responderão ilimitadamente pelos atos e negócios
que a sociedade em comum (despersonalizada) praticar. Isto é a consequência
natural da falta de formação da personalidade jurídica e da não afetação
patrimonial do novo ente.
Muitas empresas, aqui entendidas em sentido
funcional, como a atividade organizada sobre os fatores de produção para a
geração de bens ou serviços, acabarão por sequer saírem do plano volitivo de
seus sócios, que, em situação já crítica, adotarão a situação mais cômoda de
aguardar o restabelecimento da normalidade, atentando contra o espírito
empreendedor.
O risco de um empreendedor é uma medida não
extremada. Ela advém de alguns parâmetros de segurança jurídica, especialmente
os que dizem respeito a limites de responsabilidade. Neste momento crítico,
deixar à míngua o mínimo de segurança significa paralisar as atividades
econômicas, mesmo aquelas que devam nascer nos cenários de pandemia.
Outro ponto de suma relevância que a falta de
registro ocasiona é a irregularidade perante outros órgãos. Não só em relação à
sociedade em fase de criação, mas também para aquelas que já existentes,
precisam alterar alguns de seus status.
Por exemplo, no caso de alteração de domicílio
fiscal de uma filial, com alta atividade negocial, a ausência do ato registral
na Junta Comercial implicará na inaptidão para alteração do registro fiscal, o
que, inevitavelmente, causará a ilegalidade tributária dos negócios gerados
naquela unidade. Não se poderá emitir notas fiscais, realizar registros de
obrigações auxiliares e outras imposições, que, em determinados casos, pode até
vir a configurar uma conduta delitiva, com sanções pesadas, tanto pecuniárias
como pessoais.
Embora nos momentos críticos seja compreensível que
certas obrigações regulatórias sejam mitigadas - especialmente a de empresas de
atenção a direitos essenciais - o fato é que não se poderá sequer iniciar uma
operação precária pela ausência de existência da pessoa jurídica. Isto poderá
causar ainda mais abalos na cadeia de fornecimento neste momento crítico,
determinando um agravamento da situação econômica.
De toda sorte, o súbito fechamento completo das
Juntas pode trazer desafios jurídicos tanto aos advogados quanto ao Judiciário,
que em situação extrema, poderia vir a ser instado à concessão de tutela de
natureza supletiva, reconhecendo ipso facto a existência da pessoa
jurídica e todos os seus efeitos, a despeito da ausência do ato registral.
Jayme Petra de Mello Neto - advogado do escritório Marcos Martins
Advogados e especialista em Direito cível e societário.
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