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segunda-feira, 11 de maio de 2020

Multa judicial, danos materiais e morais coletivos por excesso de peso nas estradas e os riscos para a produção agropecuária brasileira


O Estado brasileiro, como é sabido, fez, em termos de logística, uma opção histórica pelo pelo modal rodoviário. Desde a criação do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, no governo Vargas (1932), passando pela atração e implantação da indústria automobilística nos anos 50, até os incentivos para modernização da frota nos anos recentes.

O transporte rodoviário de cargas representa aproximadamente 60% de toda a carga transportada no país e mesmo os demais modais, ferroviário e aquaviários, acabam sendo dependentes do transporte rodoviário para alcançar os vários centros produtores. Por ser o modal menos eficiente em termos de custo e sustentabilidade o transporte rodoviário representa uma grande desvantagem competitiva para o agronegócio brasileiro.

A ANEC – Associação Nacional dos Exportadores de Cereais têm reiteradamente alertado para o fato de que, ainda que o Brasil continue competitivo no agronegócio em comparação com seus competidores diretos (EUA, Austrália, Argentina e Canadá), o custo logístico no Brasil no final do dia diminui a rentabilidade do nosso competente e desassombrado produtor.

E essa situação ainda tem se agravado em razão da decisão do estado brasileiro, por meio de seus Poderes constituídos, Executivo, Legislativo e Judiciário, de repassar para o usuário do transporte rodoviário os custos decorrentes da adoção de medidas que deveriam, em verdade, ser contempladas em políticas públicas.

Vimos isso recentemente no tabelamento do frete, para repassar ao embarcador os custos de uma política de garantia de renda mínima para o caminhoneiro autônomo nos períodos de menor demanda por transporte de carga, assim como na transferência para o mesmo embarcador do controle do descanso interjornada do motorista, por exemplo.

Mesmo em relação à construção e conservação de estradas de rodagem, assistimos à tentativa de repassar toda a responsabilidade e ônus para os embarcadores. Tome-se como exemplo as ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal objetivando o pagamento de milionárias indenizações por danos materiais e morais, em função de supostos danos ocasionados às rodovias federais decorrentes do tráfego com excesso de peso bruto e/ou por eixo.

Nessa discussão que já leva anos o Ministério Público atribui ao excesso de peso no transporte de mercadorias a ocorrência de danos ao asfaltamento das estradas e impõe ao embarcador a responsabilidade por esses danos, a despeito da ausência de comprovações técnicas da relação de causalidade entre aquele excesso de peso e os danos alegados. Questões como qualidade ou espessura da camada asfáltica, técnicas empregadas, estado da arte dos veículos que trafegam pelas estradas, sejam eles de transporte de carga ou de passeio, e até mesmo a impossibilidade de limitação do peso por eixo no transporte de carga à granel, têm sido desconsideradas em prol de uma solução simplista de impor ao embarcador mais este ônus.

Ao Ministério Público não parece importar, por outro lado, o esforço heroico que as exportadoras brasileiras têm feito ao longo dos anos de criar novas rotas de escoamento da produção do agronegócio brasileiro, investindo em novos terminais portuários na região norte e nordeste do Brasil, buscando otimizar a malha ferroviária e hidroviária existentes, além de investir diretamente na conservação de estradas federais, como o caso da BR183, em que pese, neste ponto específico, o destacado trabalho do ministro Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, responsável, também pelos projetos ferroviários da Norte-Sul e Ferrogrão.

Tampouco parece-lhe importar que, ao final do dia, as eventuais infrações por excesso de peso representem um número absolutamente inexpressivo de ocorrências diante do universo total das viagens e das operações de transporte realizadas pelas empresas demandadas.

Ainda assim e por isso mesmo, um ponto de maior atenção e preocupação nas mencionadas ações civis pública é o pedido do Ministério Público de criar a figura de uma multa judicial, que tem variado de R$ 10 a R$ 50 mil reais, a ser aplicada cumulativamente à multa já prevista no Código de Transito brasileiro para as infrações de excesso de peso. A criação desta pena não prevista em lei é uma clara ofensa aos princípios da separação dos Poderes e da segurança jurídica e fere o princípio republicano.

As consequências dos pedidos do Ministério Público se traduzem no aumento do chamado Custo Brasil a diminuir as vantagens do produto brasileiro exatamente onde somos mais competitivos. Neste ponto é importante ter-se claro que, no mercado das commodities agrícolas exportadas pelo Brasil, o preço final do produto é dado nas bolsas de mercadorias e todo custo implicado na cadeia acaba impactando o preço pelo qual o produtor consegue comercializar o seu produto.

Por outro lado, estes custos a que nos referimos não retornam para a economia e, por consequência, não impactam positivamente o PIB brasileiro, pelo contrário. Não fora o bastante, a distribuição desigual dessas ações civis públicas, afetando algumas empresas enquanto outras foram poupadas, gera uma situação de concorrência desleal no setor em que as margens são extremamente apertadas.

Essas ações públicas, que em sua maioria foram julgadas improcedentes pelos juízos de primeira instância, mas que encontraram eco nos tribunais, em segunda instância, enfrentam agora o julgamento do leading case no Superior Tribunal de Justiça, onde, se espera, a regularidade jurídica seja restabelecida e mais este ônus indevido aos embarcadores seja afastado.

Só assim se garantirá que a pujança das exportações brasileiras e a competitividade do produtor brasileiro garantam uma maior distribuição de riqueza no campo e que o estado brasileiro responsabiliza-se pela efetiva adoção das políticas públicas necessárias ao aumento do bem estar da sua população e desenvolvimento geral do país.




Frederico Favacho - sócio do Mattos Engelberg e advogado da ANEC

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