O Estado brasileiro, como é sabido, fez, em termos
de logística, uma opção histórica pelo pelo modal rodoviário. Desde a criação
do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, no governo Vargas (1932),
passando pela atração e implantação da indústria automobilística nos anos 50,
até os incentivos para modernização da frota nos anos recentes.
O transporte rodoviário de cargas representa
aproximadamente 60% de toda a carga transportada no país e mesmo os demais
modais, ferroviário e aquaviários, acabam sendo dependentes do transporte
rodoviário para alcançar os vários centros produtores. Por ser o modal menos
eficiente em termos de custo e sustentabilidade o transporte rodoviário
representa uma grande desvantagem competitiva para o agronegócio brasileiro.
A ANEC – Associação Nacional dos Exportadores de
Cereais têm reiteradamente alertado para o fato de que, ainda que o Brasil
continue competitivo no agronegócio em comparação com seus competidores diretos
(EUA, Austrália, Argentina e Canadá), o custo logístico no Brasil no final do
dia diminui a rentabilidade do nosso competente e desassombrado produtor.
E essa situação ainda tem se agravado em razão da
decisão do estado brasileiro, por meio de seus Poderes constituídos, Executivo,
Legislativo e Judiciário, de repassar para o usuário do transporte rodoviário
os custos decorrentes da adoção de medidas que deveriam, em verdade, ser
contempladas em políticas públicas.
Vimos isso recentemente no tabelamento do frete,
para repassar ao embarcador os custos de uma política de garantia de renda
mínima para o caminhoneiro autônomo nos períodos de menor demanda por
transporte de carga, assim como na transferência para o mesmo embarcador do
controle do descanso interjornada do motorista, por exemplo.
Mesmo em relação à construção e conservação de
estradas de rodagem, assistimos à tentativa de repassar toda a responsabilidade
e ônus para os embarcadores. Tome-se como exemplo as ações civis públicas
ajuizadas pelo Ministério Público Federal objetivando o pagamento de
milionárias indenizações por danos materiais e morais, em função de supostos
danos ocasionados às rodovias federais decorrentes do tráfego com excesso de
peso bruto e/ou por eixo.
Nessa discussão que já leva anos o Ministério
Público atribui ao excesso de peso no transporte de mercadorias a ocorrência de
danos ao asfaltamento das estradas e impõe ao embarcador a responsabilidade por
esses danos, a despeito da ausência de comprovações técnicas da relação de
causalidade entre aquele excesso de peso e os danos alegados. Questões como
qualidade ou espessura da camada asfáltica, técnicas empregadas, estado da arte
dos veículos que trafegam pelas estradas, sejam eles de transporte de carga ou
de passeio, e até mesmo a impossibilidade de limitação do peso por eixo no
transporte de carga à granel, têm sido desconsideradas em prol de uma solução
simplista de impor ao embarcador mais este ônus.
Ao Ministério Público não parece importar, por
outro lado, o esforço heroico que as exportadoras brasileiras têm feito ao
longo dos anos de criar novas rotas de escoamento da produção do agronegócio
brasileiro, investindo em novos terminais portuários na região norte e nordeste
do Brasil, buscando otimizar a malha ferroviária e hidroviária existentes, além
de investir diretamente na conservação de estradas federais, como o caso da
BR183, em que pese, neste ponto específico, o destacado trabalho do ministro
Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, responsável, também pelos
projetos ferroviários da Norte-Sul e Ferrogrão.
Tampouco parece-lhe importar que, ao final do dia,
as eventuais infrações por excesso de peso representem um número absolutamente
inexpressivo de ocorrências diante do universo total das viagens e das
operações de transporte realizadas pelas empresas demandadas.
Ainda assim e por isso mesmo, um ponto de maior
atenção e preocupação nas mencionadas ações civis pública é o pedido do
Ministério Público de criar a figura de uma multa judicial, que tem variado de
R$ 10 a R$ 50 mil reais, a ser aplicada cumulativamente à multa já prevista no
Código de Transito brasileiro para as infrações de excesso de peso. A criação
desta pena não prevista em lei é uma clara ofensa aos princípios da separação
dos Poderes e da segurança jurídica e fere o princípio republicano.
As consequências dos pedidos do Ministério Público
se traduzem no aumento do chamado Custo Brasil a diminuir as vantagens
do produto brasileiro exatamente onde somos mais competitivos. Neste ponto é
importante ter-se claro que, no mercado das commodities agrícolas exportadas
pelo Brasil, o preço final do produto é dado nas bolsas de mercadorias e todo
custo implicado na cadeia acaba impactando o preço pelo qual o produtor
consegue comercializar o seu produto.
Por outro lado, estes custos a que nos referimos
não retornam para a economia e, por consequência, não impactam positivamente o
PIB brasileiro, pelo contrário. Não fora o bastante, a distribuição desigual
dessas ações civis públicas, afetando algumas empresas enquanto outras foram
poupadas, gera uma situação de concorrência desleal no setor em que as margens
são extremamente apertadas.
Essas ações públicas, que em sua maioria foram
julgadas improcedentes pelos juízos de primeira instância, mas que encontraram
eco nos tribunais, em segunda instância, enfrentam agora o julgamento do
leading case no Superior Tribunal de Justiça, onde, se espera, a regularidade
jurídica seja restabelecida e mais este ônus indevido aos embarcadores seja
afastado.
Só
assim se garantirá que a pujança das exportações brasileiras e a
competitividade do produtor brasileiro garantam uma maior distribuição de
riqueza no campo e que o estado brasileiro responsabiliza-se pela efetiva
adoção das políticas públicas necessárias ao aumento do bem estar da sua
população e desenvolvimento geral do país.
Frederico Favacho - sócio do Mattos
Engelberg e advogado da ANEC
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