O
incêndio do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista foi como destocamento de
raízes em área desmatada. A floresta que se perdeu não volta mais. É de doer na
alma! A tragédia anunciada ocorre, coincidentemente, num período em que, por
diversas circunstâncias, eu vinha escrevendo sobre as maliciosas mistificações
envolvendo a História do Brasil e a identidade nacional.
Para
alguns brasileiros que dirigiram a área cultural neste início de século, a
história interessa como espaço para construção de narrativas convenientes sob o
ponto de vista político e ideológico. Para outros, velharias como as que se
exibem nos museus não têm qualquer significado e deveriam ser vendidas para
“socorrer os pobres” (exatamente como pretendia Judas Iscariotis, exalando uma
generosidade que não tinha, ao repreender a mulher que derramou perfume caro
nos pés de Jesus). Nestes casos, temos a perigosa combinação da ignorância com
a demagogia. Para os radicais, por fim, há mais cultura na pichação do que no
monumento, nos poucos acordes do funk do que na música erudita, no Queermuseu
do que no Museu. Fazer o quê?
A
“cultura” tem outras prioridades. O Museu Nacional ardeu, então, com as
centelhas da omissão e do desinteresse. Em tempos de verba curta, era
preferível financiar eventos e artistas que, ali adiante, estariam subscrevendo
manifestos de apoio político, participando de showmícios e fazendo denúncias em
eventos no exterior. Uma mão lava a outra, na bacia de Pilatos.
Coincidentemente, no mês de julho,
escrevi um texto apoiando a iniciativa de amigos que pretendiam, no Rio de
Janeiro, preservar – vejam só! - as Cavalariças Imperiais da Quinta da Boa Vista.
Os sucessivos retalhamentos do parque haviam levado mais da metade da área
original e as cavalariças se extraviaram do belo projeto paisagístico de
Augusto Glaziou. Considerávamos imperioso preservá-las. Tão pouco tempo depois,
não eram as cavalariças que se perdiam, mas o próprio museu que ardia.
Sociedades civilizadas sabem que prédios e lugares históricos
abertos à visitação, ao lazer e à cultura são imprescindíveis à construção da
identidade nacional e, logo, da identidade individual dos cidadãos. Não há
cultura sem raízes e as nossas veem sendo sistematicamente cortadas em virtude
do anacronismo a que me referi em artigo anterior.
Indivíduos sem raízes são levados para onde soprar a ventoinha das
conveniências.
Percival
Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e
escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil, integrante do grupo Pensar+.
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