David Soares da Silva e
Tatiana Rodrigues, especialistas em planejamento patrimonial e sucessório,
afirmam que a complexidade das relações podem trazer consequências patrimoniais
não desejadas, como partilhar bens adquiridos durante um mero namoro porque um
dos parceiros resolveu considerar a relação como união estável
Tema
não muito comentado, o chamado “contrato de namoro” tem ajudado muitos casais a
“blindarem” seus bens pessoais. Trata-se de um documento registrado no Tabelião
de Notas como escritura pública, ou contrato particular,e que tem como
principal objetivo proteger os bens do par de namorados. Serve para declarar
que um relacionamento não é uma união estável, que não há intenção de
constituir família naquele momento e que não haverá divisão de patrimônio no
caso de término da relação. Ou seja: é uma prova de proteção patrimonial para
as partes caso o namoro não dê certo.
O
namoro é um costume social no qual as partes estabelecem uma relação amorosa
sem compromisso futuro, apenas com intuito de viver o amor entre ambos. Como na
união estável é necessário o cumprimento de alguns requisitos impostos pela sociedade
para caracterização do namoro. Assim, devem estar presentes: a fidelidade
recíproca, a constância da relação e o conhecimento do relacionamento por parte
da família e dos amigos do casal.
A
união estável sem contrato gera consequências patrimoniais relevantes tal como
o casamento no regime da comunhão parcial de bens. Neste regime, tudo aquilo
adquirido a título oneroso (por exemplo: compra) por cada companheiro será
objeto de partilha na dissolução da união estável. Mas como não há contrato, a
prova da união estável e seu início dependerá de provas e testemunhas numa ação
judicial. O contrato de namoro tem a função de declarar expressamente que não
há união estável e, com isso, evitar a partilha de bens em caso de término da
relação.
De
acordo com David Soares da Silva e Tatiana Rodrigues*, especialistas em
planejamento patrimonial e sucessório do Battella, Lasmar e Silva Advogados, não
há prazo de validade obrigatório, até porque não é um contrato expressamente
previsto em lei. “Mas normalmente recomenda-se que regularmente o contrato seja
revalidado, prorrogado, para que se reafirme que ainda não há a intenção de o
casal constituir família, este sim o aspecto caracterizador da união estável. É
normal se colocar um prazo de um ano, não muito mais do que isso, mas as partes
são livres para pactuar o prazo” acrescentam.
Como
em todos os contratos, também existe a possibilidade de uma das partes
descumprir os requisitos impostos. Para os especialistas, em princípio, não há
penalidade prevista em lei em caso de rompimento do contrato,então ela deve ser
negociada entre as partes dentro dos limites da razoabilidade e bom senso. É
possível, por exemplo, prever uma indenização caso haja traição.
Quem
deve assinar?
Esse
tipo de contrato tem sido adotado por pessoas solteiras e divorciadas que já
têm algum patrimônio e querem evitar, ao menos no começo de uma relação, que
esta seja considerada união estável com as consequências patrimoniais dela
decorrentes.
“Imagine
uma pessoa solteira que tenha um imóvel e comece a namorar. Durante o namoro, a
pessoa vende o imóvel e compra um maior e tempos depois o relacionamento acaba.
A depender das provas/testemunhas, o outro companheiro poderia alegar a
existência de união estável e exigir metade do valor do imóvel adquirido
durante o namoro. O contrato de namoro, num caso como este, seria a prova de
que não havia união estável e que, por esta razão, não haveria consequência
patrimonial (partilha do imóvel)”, afirmam os especialistas.
Contrato
de namoro X contrato de namoro qualificado
Um
passo adiante do contrato de namoro, está o contrato de namoro qualificado. Os
especialistas afirmam que esse tipo de documento é assinado quando o
relacionamento passa para a etapa intermediária entre o namoro e a união
estável ou casamento. O namoro qualificado é praticamente um “contrato de
noivado”, que já não é mais um simples namoro, mas ainda não é casamento; nele
já há planos para constituir família num futuro razoavelmente próximo, mas
ainda não naquele exato momento.
Os
advogados ressaltam que a principal diferença entre a união estável e o namoro
qualificado está no fato de que a primeira é família constituída no momento
atual, enquanto o namoro qualificado é um relacionamento em que os namorados
meramente alimentam uma expectativa de constituição de uma família no futuro.
“No namoro qualificado, há planos para constituição de família, há projetos
para o futuro, enquanto na união estável há uma família plena já constituída
que transmite a “aparência de casamento”. Como ainda não é união estável (mas
já no caminho desta) o namoro qualificado, tal como o namoro, ainda não gera
consequências patrimoniais. Assim, se um dos noivos (namorado qualificado)
compra um imóvel durante o namoro qualificado, este imóvel será deste noivo e
não do casal”. O contrato de namoro qualificado serve exatamente para
demonstrar que os bens adquiridos durante o ‘noivado’ ainda não são do caso, se
eles assim o desejarem.
Para
ilustrar melhor esse tipo de situação, houve um julgado do Superior Tribunal de
Justiça que considerou que um casal de namorados que coabitou no exterior não
era união estável, mas um namoro qualificado em que a intenção de constituir
família ocorreria no futuro, mas ainda não existia naquele momento.
Por
fim, os advogados acreditam que as relações humanas nos tempos atuais têm se
modificado de forma mais rápida do que a evolução das leis.
Felizmente, no
Brasil, nossos tribunais têm conseguido acompanhar várias dessas mudanças vindo
a reconhecer vários tipos de relação não previstos em lei. “O que as pessoas
ainda não percebem é que a complexidade dessas relações pode trazer
consequências patrimoniais não desejadas, como partilhar bens adquiridos
durante um mero namoro porque um dos parceiros resolveu considerar a relação
como união estável. E as pessoas só se dão conta disso quando o relacionamento
vai mal ou já acabou. Daí a importância de pensar no assunto quando as coisas
ainda estão começando e estão bem. E sem esquecer que tratar desses assuntos
não tem nada a ver com o amor. Persistindo o amor, o casal terá muito o que
partilhar além dos bens”, finalizam.
David Roberto R. Soares da Silva e Tatiana Antunes
Valente Rodrigues - são sócio e advogada sênior do escritório Battella, Lasmar
& Silva Advogados e autores do livro Planejamento Patrimonial: Família,
Sucessão e Impostos, a ser lançado em breve.
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