Andar
pelas calçadas e ser abordado por alguém que pede ajuda, esmola, comida, é um
fato que tem sido cada vez mais recorrente no dia a dia de pequenas e grandes
cidades do Brasil e do mundo. A migração interna e externa por conta de
guerras e regimes políticos expõe, igualmente, a situação de descaso com a
humanidade reproduzida mundialmente. A busca por melhores condições de vida e
por dignidade leva grandes contingentes populacionais a se arriscarem por
caminhos perigosos que podem jamais ter volta. Por outro lado, nota-se a
preocupação individual e de nações na proteção de suas fronteiras para
dificultar e mesmo proibir a entrada de imigrantes.
Assim,
perto e longe de nós ocorrem fatos que expressam total desprezo e indiferença
para com o ser humano. Ao mesmo tempo que chocam, também podem levar à
banalização do absurdo, do insano, do desrespeito pelo outro e pela humanidade
compartilhada entre os semelhantes. A excessiva concentração de renda, o
individualismo, a egolatria (culto a si mesmo), a extrema desigualdade,
elementos caraterísticos do nosso tempo, podem ser citados para buscar uma
explicação do avanço da indiferença e do desprezo pelo ser humano, sobretudo, o
mais marginalizado, aquele que não se encaixa nos padrões considerados
“normais” em determinado contexto.
Nesse
sentido, tende-se a responsabilizar apenas o indivíduo pelo seu sucesso ou
fracasso total, como se o contexto e as condições históricas dependessem
unicamente do sujeito. Nos discursos e nas atitudes mais comuns do nosso
cotidiano impõem-se modos de pensar e agir que são considerados “normais” e
“naturais”, os quais consideram o sujeito como um ser de performance, que
precisa constantemente de upgrades, para que não se torne descartável. Crescer
como indivíduo, aprender, formar-se numa perspectiva integral é sem dúvida uma
questão fundamental para o ser humano. Mas qual o sentido e a própria
possibilidade dessa formação, se ela for pensada e realizada exclusivamente no plano
individual?
Nessa
perspectiva, o filósofo franco-lituano Emmanuel Lévinas afirma que o
desenvolvimento do mundo humano só é viável se encontrarmos, a todo momento,
alguém que possa ser responsável pelo seu semelhante. Assim, o outro deixa de
ser considerado um adversário que compete, atrapalha ou impede o
desenvolvimento da liberdade individual, e se torna condição para o
reconhecimento e a valorização da existência do ser humano. Ou seja, somos
humanos, na medida em que manifestamos o nosso cuidado pelos outros seres
humanos.
Quando
vivenciamos catástrofes, calamidades, guerra, terror, horror, podemos ter como
decorrência tanto o despertar de ações solidárias, como de recrudescimento e
medo. No segundo caso, os mais necessitados, os “sem rosto”, os não reconhecidos
acabam esquecidos e deixados à margem. O que fazer diante do avanço da
intolerância, da arrogância, do desprezo ao outro? O fato de negar hoje a
responsabilidade pelo outro pode ter como consequência ser o “outro” esquecido
de amanhã.
Prof. Dr. Luís Fernando Lopes - filósofo, teólogo e coordenador do
curso de licenciatura em Filosofia do Centro Universitário Internacional
Uninter.
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