De
quem é a culpa? A necessidade de refletir sobre a sociedade e a cultura atual,
e não somente responsabilizar as instituições de ensino ou a família.
Recentemente, alguns episódios de suicídio de estudantes
chocaram a sociedade. Esses acontecimentos levantaram discussões sobre os mais
diversos assuntos, mas a primeira ação que deve ser feita é de expressar
solidariedade às famílias desses adolescentes, aos educadores e diretores das escolas
e aos colegas de classe dessas crianças. É deste ponto que precisamos partir e
depois levantar os fatos que envolvem o assunto. Já que não é natural que um
pai enterre um filho, e nem é para um professor enterrar um aluno.
Como rabino, já tive algumas
experiências sobre esse assunto. Na literatura judaica,
a morte de alguém de forma tão prematura se assemelha à
uma vela recém acendida, que, quando apagada e impossibilitada de ser
reacendida, nos mostra o desperdício daquela
vela que tinha tanto a iluminar. Diferente da situação da vela que já derreteu
praticamente toda a cera e, quando a chama
desaparece, sentimos a falta da luz, mas
temos o consolo de que fomos privilegiados com todo o tempo em que ela clareou
nossas vidas.
Nessa situação, temos essas
crianças na flor da idade que apagaram suas luzes. No triste cenário em que
estamos, é possível acompanhar uma série de reportagens, depoimentos e
discussões de profissionais das mais diversas áreas que apontam possíveis culpados
para o ocorrido. De um lado, especialistas culpam os pais pela ausência na vida
dos filhos, e de outro, responsabilizam as escolas por estressarem os alunos e
não terem uma vigilância com os estudantes dentro dos colégios.
Na história da educação, desde
que o instituto escola foi fundado, existe uma zona de conflito entre pais e
educadores. Os filhos são enviados de suas casas, onde são tratados como
pequenos imperadores, para um ambiente em que vão repartir espaço, brinquedos e
demais serviços e atividades com seus coleguinhas. Quando algo grave acontece,
como o caso de mau comportamento, de repetência ou insucesso no vestibular, é
visível a relação nada harmônica entre família e escola.
As famílias tentam
transferir a culpa pelo comportamento das crianças quase que absoluta para as
escolas. As escolas se defendem e dizem “olha como você me entrega o seu
filho?”. Mas o cenário se agrava quando nos confrontamos com uma situação como
a dos suicídios. Então, o que dizer sobre este episódio? Quem responsabilizar
entre escola e pais? Não entraria nessa linha de pensamento. A sociedade, como
um todo, deve refletir sobre esse grave assunto de uma forma mais ampla.
Dados da Organização Mundial
da Saúde revelam que em 2030 a doença mais comum da humanidade será a
depressão. Mesmo com tanta tecnologia, abundância de serviços à disposição do
homem e com a ciência deixando a vida cada vez mais confortável, ficamos menos
felizes, a ponto de estarmos doentes e depressivos.
Por que a humanidade está
ficando mais infeliz?
Um importante trabalho
realizado pelos Estados Unidos, no século
passado, foi publicado no World Psychiatry e
constatou que, na década de 1980, cerca de 35% dos suicídios foram motivados
por depressão. O segundo motivo foi o abuso de álcool, maconha e demais drogas,
que são alguns dos fatores que desencadeiam a depressão.
Em um mundo que exige
rapidez, em que tudo deve ser instantâneo, o que acontece quando não se alcança
os resultados rápido? Quando a startup não traz o retorno no período imaginado,
qual a reação das pessoas? Hoje em dia, a
humanidade não consegue lidar com a demora das respostas. As relações e
matrimônios são dissolvidos com rapidez, os projetos são abandonados quando mal
começam e tudo se torna descartável em um mundo cada vez mais imediato. A
impulsividade dos adolescentes apenas potencializa essa cultura.
Essas patologias
psiquiátricas ainda são excitadas pelo uso desenfreado do álcool, maconha e
outros fumos não tornam apenas os jovens, que cada vez mais precocemente
começam a usar essas drogas, vítimas desse comportamento suicida, mas sim toda
a humanidade. Por esse motivo, a necessidade
de refletir sobre essa questão, questionar o porquê da dificuldade em alcançar
a felicidade e conceituar o que é ser feliz e se posicionar de forma corajosa
contra o consumo de álcool abusivo pelo ser humano. Assim, nos preocupamos mais com o que causa e agrava a
depressão.
Quando voltamos para o
cenário das escolas e refletimos sobre todos esses pontos, não é certo isolar
os casos dos alunos como questões pontuais. Não devemos responsabilizar somente
o colégio ou os pais. É certo afirmar que vivemos em uma sociedade e todos
enxergamos essa realidade, mas muitas vezes nos sentimos impotentes diante do
que acontece, incapazes de mudar. Mas por que? Responsabilizo desde o Estado
até grandes intelectuais e centros acadêmicos que alimentam essa cultura.
O que cabe a cada um fazer?
Escolas, pais e sociedade
Um caminho que a sociedade
deve seguir é de conversar sobre o que tem levado as pessoas à depressão e ao
uso abusivo e precoce de álcool. As escolas devem parar para pensar se estão
seguindo uma cultura errada, e fazer o papel de aculturar a sociedade para o
que é correto. Os pais devem mudar e agir, não somente observar seus filhos
seguirem um mal caminho. E, por fim, os governadores não devem ficar reféns das
empresas de cigarro e álcool, é preciso falar a verdade de que eles contribuem
para agravar doenças psiquiátricas que às vezes são irreversíveis.
Rabino
Samy Pinto - formado em Ciências Econômicas, se especializou em educação em
Israel, na Universidade Bar-llan, mas foi no Brasil que concluiu seu mestrado e
doutorado em Letras e Filosofia, pela Universidade de São Paulo (USP). Foi
diretor do Colégio Iavne, por 22 anos. O Rav. Samy Pinto ainda é diplomado
Rabino pelo Rabinato chefe de Israel, em Jerusalém, e hoje é o responsável pela
sinagoga Ohel Yaacov, situada no Jardins também conhecida como sinagoga da
Abolição.
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