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quarta-feira, 29 de junho de 2016

Apenas 23% dos casos de estupro conseguem ser comprovados em Curitiba






O maior problema encontrado hoje está em levantar corretamente provas e segundo médica legista ainda há falhas no sistema que beneficia o agressor.

Dados do Instituto Médico Legal mostram que entre os anos de 2012 a 2015 as maiores vítimas da violência sexual em Curitiba são adolescentes de 12 a 17 anos, seguidas por crianças de 5 a 11 anos. O levantamento feito pela médica ginecologista legista do IML Dra Maria Letícia Fagundes, que também é presidente da ONG MaisMarias de combate à violência contra a mulher, revela que a realidade quase não mudou desde a divulgação do último levantamento em 2012 e que os agressores estão dentro de casa. A grande questão, segundo a médica que é responsável pelos atendimentos de casos de estupro do Instituto, é conseguir as provas necessárias em boas condições de análise para punir o agressor.

“Não é a primeira vez que falamos nestes terríveis números que mostram a realidade dos abusos sexuais na nossa cidade. Entre os exames solicitados pela polícia para confirmação de conjunção carnal (relação sexual com penetração na vagina) e ato libidinoso (atos que implicam em contato do pênis com boca, vagina, seios ou ânus), cerca de 80% são para crianças e meninas nesta faixa etária. A problemática que tenho levantado e, inclusive, palestrando em hospitais sobre, é a questão de produção correta de provas, isto é, coleta e transporte adequados dos materiais colhidos na hora dos exames feitos nos hospitais. Muitas vezes a qualidade se perde neste procedimento e falhamos em punir o agressor, levando essa criança de volta ao risco”, explica Dra. Maria Letícia Fagundes.

No total, considerando entre 2012 e 2015 foram 4.734 exames realizados para casos de conjunção carnal, sendo que desse número, 3.264 casos foram na faixa etária de 5 a 17 anos. “Do número total de denúncias de conjunção carnal apenas 1.109 casos conseguiram ser provados positivos em resposta ao  primeiro quesito de lei. Portanto, foram materializadas provas em apenas 23 % dos casos. E, ao contrário que muitos possam pensar, como médica legista que atende a muitos destes casos, afirmo que essa quantidade de resultados positivos é baixa porque o sistema é falho em provar casos de abuso sexual, e não porque não houve abuso. A porcentagem real é outra, na maioria dos casos houve o abuso, mas não temos hoje armazenagem e treinamento adequado nos hospitais e delegacias que fazem o primeiro atendimento”, denuncia a médica que trabalha no IML há 20 anos.

Outra situação que dificulta um número maior de exames positivos é que grande parte das vítimas é de crianças, e até o familiar identificar o que houve, já passou mais das 48 horas necessárias para produção das provas. “Temos que ouvir mais as crianças e trazer de imediato para exames. Melhor errar pelo excesso do que perder de punir o agressor”, finaliza a especialista.

Culpabilização da vítima
Com esses dados a Dra Maria Letícia reforça sua afirmação de que grande parte dos agressores está em locais onde a criança deveria se sentir segura. Uma criança de 5 a 11 anos ou uma jovem de 12 a 17 está na escola, em casa, na casa de coleguinhas ou na família, na maioria das vezes. “É aí que entra o combate à culpabilização da vítima. Esses números nos mostram como a cultura do estupro está enraizada nas famílias brasileiras, dentro de casa. Sei que é difícil para nós como sociedade admitirmos essa vergonha, mas só admitindo é que conseguimos mudá-la”, alerta a médica.



Dra. Maria Letícia FagundesMédica formada pela Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná e pós-graduada pela USP, e atua há 30 anos como ginecologista. É também médica legista e atuante na Associação Paranaense dos Médicos Legistas. Em 2012 fundou a ONG Mais Marias para dar sua contribuição na conscientização da violência contra a mulher. Através de palestras gratuitas, ela leva mais informação para a população sobre a Lei Maria da Penha e na sede presta atendimento e encaminhamento a profissionais parceiros da ONG. “Como médica do Instituto Médico Legal faz parte do nosso dia a dia atender essas mulheres que são vítimas de agressão. Apesar de a Lei Maria da Penha estar em vigor desde 2006 para proteger a vítima, nem todos conhecem seus direitos e o que podem fazer para mudar essa realidade. Nosso objetivo é abrir o debate para conscientizar a população”.                                                                         Facebook.com/maismarias - Facebook.com/marialeticiafagundes - Instagram.com/ongmaismarias - Site: www.maismarias.com

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